Set
16
2020

Guedes diz que reforma pode demitir servidor 'não confiável' com avaliação de desempenho

Ministro da Economia disse que com reforma administrativa servidores que não forem 'confiáveis' ou 'vazarem' informações devem ser demitidos

DA REDAÇÃO DA ADUFF

O ministro da Economia, Paulo Guedes, revelou alguns dos critérios que devem nortear as avaliações de desempenho que o governo quer impor aos servidores públicos, sob risco de demissão em caso de resultados negativos, com a reforma administrativa. Entre eles, mencionou 'ser de confiança', não ser um 'vazador' de informações e 'jogar bem em equipe'.   

Usar avaliações de desempenho para quebrar a estabilidade de praticamente todos os servidores públicos, atuais e futuros, com previsão de demissão quando o resultado for considerado insuficiente, é um aspecto da reforma administrativa reconhecido e defendido pelo governo do presidente Jair Bolsonaro. O que não é revelado são os parâmetros a serem usados nessa avaliação, que seria regulamentada provavelmente por lei complementar e decretos. Tampouco se fala em quem as faria. 

Paulo Guedes, porém, forneceu uma visão do que pretende o governo. Disse em uma live recente: "Tem que haver uma valorização da meritocracia. Então todos esses direitos. O direito à estabilidade no emprego, essas progressões salariais, tudo isso tem que vir em cima da meritocracia. Um jovem que passou no concurso público agora e entrou para o Ministério Público, entrou para Receita Federal, para onde for, precisa ser avaliado dois, três, quatro, cinco, seis anos, sete anos, por gente muito experiente que vai avaliar se ele joga bem em equipe, se ele é confiável ou se é um dos vazadores gerais que está sempre vazando coisas, se ele tem responsabilidade, se é assíduo. Então tem uma série de atributos que são necessários, que normalmente os mais talentosos, que estão no TCU ou estão no Supremo, conseguem atender e atendem, mas os outros não estão atendendo e se não estão atendendo podem ser desligados ao longo do tempo, por avaliação".

'Ser confiável'

A declaração não deixa dúvida que "ser confiável" é um dos critérios com os quais o governo trabalha para as avaliaçòes de desempenho que podem levar a demissões de servidores. Guedes também fala em ser um "vazador" ou não como outro aspecto a ser considerado. Não fica nítido, porém, o que exatamente quer dizer com isso. De todo modo, o servidor que 'vazar' dados sigilosos e que possam comprometer o trabalho desenvolvido - como antecipar a informação de uma operação de fiscalização - está cometendo um ato ilícito, talvez até criminoso, e já poderia ser levado à demissão sob as regras atuais. Não há necessidade de reforma ou mudança nas leis para isso.

É razoável supor, portanto, que o ministro estava se referindo a servidores que exponham divergências ou irregularidades. Há outro aspecto na sua fala, voltada para a meritocracia, que chama a atenção. Quando se reporta a quem vai avaliar o servidor, diz "gente muito experiente". Deixa transparecer que não necessariamente seriam outros servidores. indica, ainda, se referir a algo distante das avaliações que já existem em parte do serviço público federal, não podem justificar demissões e são feitas em geral por chefes imediatos ou colegas de trabalho.

Ao mencionar as avaliações, Guedes num dado momento parece se referir ao tempo necessário para um servidor adquirir a estabilidade. O que, pelas mudanças previstas na Proposta de Emenda Constitucional 32/2020, ficaria restrito a poucas carreiras classificadas como típicas de Estado. Mas fala em até sete anos de avaliação, o que extrapolaria o que consta na proposta.

Porém o contexto de suas declarações não deixa dúvidas de que se refere a demissões decorrentes de avaliações de desempenho, já previstas na Constituição Federal, introduzidas pela Emenda Constitucional 19/1998. Os governos que tentaram regulamentá-la, no entanto, até hoje não conseguiram, o que significaria a efetiva quebra da estabilidade.

Exemplos de meritocracia

Ao tratar da meritocracia, Guedes também mencionou como exemplos os ministros que alcançaram os postos máximos no Supremo Tribunal Federal ou no Tribunal de Contas da União. Ocorre que estes postos são ocupados por pessoas indicadas politicamente pelo presidente da República. Ninguém que está neles, seja qualificado ou não, passou por avaliações de desempenho ou disputados concursos públicos.

As declarações, que literalmente colocam a qualidade 'ser de confiança' como pressuposto para ser servidor público no Brasil, foram dadas no mesmo evento em que o ministro afirmou que o presidente da República e os ministros do STF deveriam receber muito acima do teto constitucional de R$ 39 mil. Disse que aumentar a distância entre quem recebe menos e quem recebe mais é o aspecto "fundamental" na reforma que o governo quer aprovar. A afirmação sobre os "baixos" salários da cúpula dos poderes - o que incluiria o próprio ministro Paulo Guedes - repercutiram nacionalmente. No entanto, pouco se falou sobre a menção aos critérios de avaliação.

As declarações foram dadas num evento promovido pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), sobre a reforma administrativa (disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=FL7YJKmiW-I). Também participaram o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e o ministro do STF Gilmar Mendes. A atividade ocorreu em 9 de setembro de 2020, seis dias após Bolsonaro enviar a PEC 32 ao Congresso Nacional. Por atacar a estabilidade e o estatuto do concurso público, a proposta foi rapidamente apelidada por críticos a ela de 'PEC da Rachadinha' - antes mesmo de o principal ministro do governo dizer que servidor bom é servidor de 'confiança'.

Da Redação da Aduff
Por Hélcio Lourenço Filho

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