Da Redação da ADUFF, com informações da Redação do Andes-SN
Movimentos sociais e setores da sociedade civil tomam como vitoriosa a recente aprovação no Legislativo do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), que perderia a validade em dezembro deste ano. No contexto de tantos ataques do governo de Jair Bolsonaro à Educação Pública, já fragilizada pela passagens de Ministros defensores de dogmas religiosos ou declaradamente voltados para os interesses privatistas, a validação da Proposta de Emenda a Constituição 26/2020, que torna o Fundeb uma política permanente pelo Legislativo, soa como importante derrota daqueles que pretendiam esvaziar ainda mais os recursos do setor, entre eles o próprio presidente.
A vitória deste mês de agosto não anula, contudo, o fato de especialistas no campo da Educação terem críticas ao conteúdo da proposta aprovada, como ao próprio Fundeb, mesmo que o reconheçam como importante política de financiamento do setor no país.
O Fundeb, que é alimentado na sua maior parte por Estados e municípios, receberá, portanto, aumento da contribuição do governo federal. O complemento da União, que atualmente é de 10% (cerca de R$ 16 bilhões em 2020), passará a ser de 12% no próximo ano e receberá aumentos escalonados até chegar a 23% em 2026.
O texto aprovado estipula que ocorra revisão do fundo a cada 10 anos e vincula uma parte dos recursos à melhora nos indicadores de aprendizagem, sendo esse critério decisivo para 2,5% dos 23% complementares vindos do governo federal. Da mesma forma, os recursos do ICMS ficam atrelados aos indicadores. A proposta aprovada diminui de 75% para 65% o piso para os municípios onde é realizada a transação geradora do imposto e sobe de 25% para até 35% a distribuição segundo critérios locais; ao menos 10 pontos percentuais ficarão vinculados à melhoria dos resultados educacionais.
Para Claudio Fernandes da Costa, docente da UFF em Angra dos Reis e diretor da Aduff, é importante destacar que, apesar da derrota do governo no Legislativo, a lógica meritocrática instalada no financiamento da Educação Pública do país mantém o seu principal pilar erguido. "Eles atrelam recursos escolares a Ideb e metas, decorrentes dos "resultados" de exames externos, em larga escala, cujos conteúdos buscarão determinar, em última instância, a centralidade da Base Nacional Comum Curricular para os currículos praticados nas escolas públicas e na formação de professores", observa o especialista.
No texto da Constituição, foi descartada a possibilidade de utilizar o fundo para realizar pagamentos de aposentadorias e pensões utilizando verba da educação, como fazem alguns estados, atualmente, para alcançar o mínimo constitucional de 25% de gastos na área. O mecanismo, inclusive, é considerado irregular pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e pelo Tribunal de Contas da União (TCU).
A Câmara rejeitou os pedidos governamentais de utilizar 5% do novo Fundeb para complementar o 'Renda Brasil', programa ainda por ser lançado, e de flexibilizar o complemento para pagamento do funcionalismo público da Educação.
“A despeito da derrota do governo e dos referidos avanços, não devemos desconsiderar que o sistema político-econômico dominante mantém a centralidade de sua lógica sobre o financiamento da educação, o que, associada à atual crise econômica e perda de arrecadação, pode comprometer ainda mais a já difícil situação da educação pública brasileira”, analisa Claudio Fernandes da Costa.
"Emenda não enfrenta problemas antigos", diz professor da UFRJ
O pesquisador Fábio Araujo de Souza, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), tem feito análises mais críticas ao Fundo, destacando que a emenda tem vários problemas, também criticando a meritocracia e os sistema de avaliações, a partir da valorização das notas.
"A emenda não enfrenta problemas antigos, como, por exemplo, a contemplação de todos os impostos e de impostos novos. Ela retira a Lei Kandir do conjunto de impostos, o que vai levar à uma queda da receita. E não contempla todo o percentual mínimo para a manutenção e desenvolvimento do ensino e se detém aos 20%, podendo ter sido expandido para os 25%. Acho que a política do Fundeb vai repetir os mesmos erros do atual Fundeb, pois não houve universalização do ensino, quiça o aumento das matriculas nas redes públicas de ensino", diz o docente.
Ao se voltar para o caso do Estado do Rio de Janeiro, Fábio Araujo de Souza diz que entre 2007 e 2020, cerca de 43% das matrículas na rede pública foram perdidas com a implementação do Fundo. "O desenho institucional do atual Fundeb permite que os Estados e os Municípios diminuam sua rede sem que haja perda de receita. Por um lado, isso é muito bom para eles, porque reduzindo suas redes, sobretudo as escolas do Campo, de alguma forma eles tentam aumentar o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica - IDEB, número que representa a suposta qualidade do ensino público", diz.
Para ele, outra questão a ser observada é que a complementação dos recursos federais vai se dar depois de mais de meia década. "Vamos ficar seis anos esperando para que a integralidade dos recursos da complementação federal - 23% do total do Fundo - possam começar a ser implementados", afirma.
O docente destaca ainda a vinculação de recursos públicos para as escolas filantrópicas, confessionais e comunitárias. "Quase 560 mil matrículas hoje, só na pré-escola, estão no setor privado", alerta.
Para Fábio Araujo de Souza, apesar de setores progressistas verem positivamente o conceito custo-aluno-qualidade, como forma de calcular a quantia necessária para que a escola disponha dos recursos que precisa, a medida "não vai sair do papel", aponta. "Estudos do próprio campo progressista, entre eles a Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca), apontam que precisaria haver um aporte de 50% dos recursos da União na complementação do Fundo para que se pudesse alcançar o custo aluno-qualidade. Mas, a União só está implementando 23% e o restante dos recursos já são vinculados a manutenção e desenvolvimento do ensino por força da Constituição Federal Brasileira", adverte.