Jun
04
2020

"O que as Universidades estão tentando impor ou impuseram não pode ser caracterizado como EaD", diz dirigente do Andes-SN

Com o Slogan "A USP não vai parar" e indefinição acerca do calendário 2020.1, instituição excluiu um contingente razoável de pessoas, como afirma docente da Escola de Artes, Ciências e Humanidades

Um dos assuntos mais controversos no campo educacional e que aflorou com a pandemia da Covid-19 diz respeito à Educação a Distância, que como alerta o Andes-SN, não pode ser confundido com o trabalho/ensino remoto. O assunto foi debatido na live do Sindicato Nacional desta quarta-feira (3) - "EAD, trabalho remoto e a precarização do trabalho docente na pandemia", nas redes sociais, que contou com a participação dos docentes Eblin Farage, do curso de Serviço Social da UFF e diretora do Andes-SN, e Vinício Carrilho Martinez, do Departamento de Educação da Universidade Federal de São Carlos - UFSCar. 

De acordo com Eblin, é preciso explicar que os docentes não estão parados neste contexto de distanciamento social em decorrência do coronavírus. "Nosso trabalho é calcado no tripé ensino, pesquisa e extensão. O trabalho docente não se resume ao ensino e, por isso, não devemos confundir ensino a distância ou o ensino remoto, com o trabalho remoto. O fato de não estarmos com o ensino não significa que não estamos trabalhando. Nosso trabalho se intensificou - em alguns casos, continuamos com orientações, estudos e pesquisas; além disso, são reuniões da pós graduação, plenárias departamentais, colegiados de cursos. Muitos de nós estão na linha de frente de combate à Covid 19, como a campanha do Andes-SN nas redes sociais tem demonstrado”, explicou a professora. 

Segundo a dirigente sindical, o Andes-SN não é contra o ensino a distância em sua totalidade, mas se manifesta contra a EaD em substituição ao ensino presencial.  A professora explicou que o a discussão sobre a EaD não é nova e que o Sindicato Nacional já o faz há algumas décadas. Para o Andes-SN, tal metodologia é compreendida como alicerçada nos princípios dos organismos internacionais, que pretendem pensar a educação para a América Latina a partir das diretrizes do Banco Mundial, que a concebem como terciária ou aligeirada, pois o objetivo é apenas suprir as necessidades por mão de obra. Não à toa, como explicou Eblin Farage, a Organização Mundial do Comércio não toma a Educação como um direito, um bem social, mas sim como um serviço que pode ser vendido enquanto mercadoria.  

Para ela, as exigências que estão postas agora, para que os docentes promovam algum tipo de atividade remota para os alunos durante esse contexto de pandemia, atendem às prerrogativas do governo federal, que, em obediência ao mercado, desde o início do surto da doença no Brasil tem minimizado seus efeitos e defendido o retorno à normalidade. 

"O que está tentando ser imposto hoje nas Universidades sequer pode ser considerado como EaD. A Educação a distância é regulamentada por um decreto de 2017, e tem determinadas exigências para seu funcionamento, que vão além desse arremedo que as Universidades estão tentando colocar - como um vídeo gravado numa plataforma online. Nossa compreensão é que as Universidades estão tentando construir, impor ou impuseram não pode ser caracterizado como EaD”, disse a docente.

De acordo com Eblin Farage, a EaD envolve o trabalho de um professor, um pedagogo, técnico em computação, design. "Há um conjunto de elementos que são preparados ou deveriam ser para isso e os alunos fazem uma opção por essa modalidade de ensino, que não é o que estamos vivendo nesse momento. Então, vamos fazer o que? Vamos fazer o que estamos fazendo. Estamos com muitas pesquisas, reuniões, pesquisas estudos; é possível que pensemos outras ações para serem feitas nesse período. Mas o pressuposto é o de que nenhuma ação deve ser imposta pelos gestores; e que deve ser dialogada com a comunidade acadêmica; sem diálogo é imposição e autoritarismo. A comunidade acadêmica deve ser instigada a pensar o que é possível fazer nesse momento para que não seja mais uma exclusão", disse.

O caso da USP

Um exemplo recente de como o discurso e a pressão por um dado sentido de normalidade avançou está no caso da Universidade de São Paulo, que lançou o slogan "A USP não vai parar”, apesar de não ter colocado como obrigatoriedade o oferecimento de atividades a distância. “Entretanto, o conjunto de mensagens que os docentes e as docentes começaram a receber, premiava quem fizesse alguma coisa. E isso nos pressionou muito. Muitos colegas saíram em disparada testando e aplicando recursos - muitos deles - sem qualquer ligação com a instituição”, conta a professora Michele Schultz, da Escola de Artes, Ciências e Humanidades. 

Segundo a docente, não houve avaliação ou projeção prévia de possíveis problemas que seriam encontrados, entre eles o da exclusão de estudantes e de docentes, pois muitos não tinham os recursos ou não tinham o conhecimento sobre essas ferramentas.

“A forma açodada como a reitoria e os outros órgãos de gestão impôs que as pessoas fizessem alguma coisa excluiu um contingente razoável de pessoas. Entre eles, estão os estudantes que são os mais vulneráveis”, conta a professora. 

De acordo com ela, diante dos relatos de que as pessoas estavam em situações bastante precárias, a administração central da Universidade providenciou kits - com modens - para esses estudantes. “Muitos deles permanecem sem computadores e tentam acompanhar essas atividades por meio dos celulares. Imagine um estudante fazer um relatório ou uma prova usando o celular”, indaga Michele Schultz. 

Para a professora, os estudantes têm enfrentado dificuldades de várias ordens. “Há pessoas que são cuidadoras, especialmente mulheres, que não conseguem acompanhar os conjuntos de atividades que estão sendo propostas. E a Universidade trabalha na lógica de que se a maioria consegue, a gente vai continuar. Estabeleceram um número, mas não sabemos exatamente como eles chegaram até eles, em que dizem que 90% das disciplinas continuam sendo oferecidas pela modalidade remota, mas questionamos esse número porque há unidades inteiras que pararam e não ofereceram disciplinas por um período, inclusive para entender o que estava acontecendo e para que tivessem algum nível de planejamento coletivo”, problematiza Michele. 

De acordo com ela, não houve diretriz geral que balizasse o trabalho docente e cada um começou a fazer no seu tempo, no seu ritmo, usando a ferramenta que lhe fosse mais conveniente. “Inclusive uma das reclamações dos alunos é ter que lidar com a diversidade enorme de plataformas e recursos”, diz a docente. 

Para Michele, a insistência em dizer que a USP não vai parar e os informativos e comunicados da reitoria estão amparados numa lógica meritocrática e produtivista. “Se assemelha/ aproxima dos discursos do governo federal. É quase como se estivesse negando a gravidade da questão. A Universidade não teve a competência de parar por algumas semanas para refletir e analisar o problema e depois estabelecer diretrizes que pudessem ajudar as pessoas e prever esses problemas que estão agora acontecendo”, afirma. 

Segundo a docente, a USP insiste em manter os calendários.  “Parece que há algum recuo, que eles estão admitindo que tem que vão ter que rever o calendário inicial. Mas ainda assim não deram essa informação”, disse Michele em entrevista dias antes de a Universidade publicar um comunicado no site institucional. 

Em 27 de maio, o reitor Vahan Agopyan assinou a nota em que afirma que “as diretrizes para a conclusão das atividades didáticas do semestre só serão estabelecidas após as Unidades informarem a situação de suas respectivas atividades, destacando as suas peculiaridades. Ficou definido que as Unidades têm até o dia 9 de junho para encaminhar os referidos informes, tendo sido constituído um grupo de trabalho, liderado pelo vice-reitor, para sistematizar todas as informações recebidas”. 

O mesmo documento informa que o grupo de trabalho vai apresentar tal sistematização o dia 16 de junho, e que somente após haverá a definição de um “calendário viável, para que todos nós consigamos iniciar o planejamento das atividades”.

A professora Michele Schultz informa que, nas unidades, muitos cursos estão já trabalhando com as grades de horários do segundo semestre, e que também há vários docentes que interromperam as atividades por vários motivos, seja porque não concordam que haja alunos em situação diferenciada/ prejudicados. “Há muitos colegas que são solidários e que estão sim olhando para a situação dos estudantes mais vulneráveis e estão olhando para as disciplinas. Mas como vai se dar a reposição, mesmo admitindo que vai existir prejuízos por conta da situação, não sabemos como vai se dar”, disse a docente. 

Michele enfatizou que todas as críticas envolvem a forma como as atividades foram iniciadas, sem planejamento e sem diretrizes claras, e que alguns docentes não têm se colocado contra a EaD, mas sim, contra a falta de planejamento para lidar com a situação, que releva a distorção socioeconômica principalmente entre alunos.  

Da Redação da ADUFF
Por Aline Pereira

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