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Mai
22
2020

'Nunca vou esquecer do sorriso e gentileza dele', diz professora sobre estudante negro morto pela PM

Rodrigo Cerqueira da Conceição, de 19 anos; João Vitor Gomes da Rocha, 18 anos, e João Pedro Mattos Pinto, de 14 anos, eram negros e pobres. Morreram em decorrência de operações policiais no Morro da Providência, no Complexo do Salgueiro e na Cidade de Deus.  

Rodrigo Cerqueira, 19 anos, morto durante operação policial no Morro da Providência Rodrigo Cerqueira, 19 anos, morto durante operação policial no Morro da Providência / Reprodução de Internet

Rodrigo Cerqueira da Conceição, de 19 anos, aluno do 2º ano do Colégio Estadual Reverendo Hugh Clarence Tucker, foi morto durante uma operação da Polícia Militar no Morro da Providência, no Centro do Rio de Janeiro, nesta quinta-feira (21).

A operação ocorreu no exato momento da distribuição de cestas básica aos moradores, ação viabilizada por meio de mobilização comunitária autônoma com grêmio, professores da escola estadual da região e o Pré-Vestibular Machado de Assis. Contava com apoio da Aduff, do Sindscope e do Sepe.  

Testemunhas afirmam que a polícia chegou encapuzada, armada de  fuzis e atirando, mesmo com diversas famílias na rua, todas em busca das cestas com alimentos.

De acordo com Clara Bueno, professora da língua portuguesa na rede municipal e estadual do Rio de Janeiro, Rodrigo era educado, calmo. Ela ministrou aulas para ele em 2017. “Ele tinha dificuldades em decorrência da baixa visão, mas era bastante aplicado e interessado. Sentava-se na frente para poder copiar as coisas do quadro com mais facilidade e para participar”, lembra.

“Nunca vou me esquecer da boa vontade em aprender, do sorriso, do bom humor e gentileza comigo. Muitos anos sem vê-lo, mas bastou uma foto dele no jornal para que eu relembrasse os momentos em sala de aula”, afirma a professora.

Docente da Faculdade de Educação da UFF, Ana Paula Morel criticou a operação policial nas comunidades. “Enquanto movimentos buscam se organizar em prol da solidariedade e da vida, o Estado não apenas nega o acesso à saúde nas favelas como chega para matar”, disse ela, que também é apoiadora do Pré-vestibular Machado de Assis.

Segundo a professora, é a quinta vez em que a distribuição de cestas foi interrompida por operações policiais nas favelas. “O povo negro e pobre tem que enfrentar em plena pandemia a continuidade da política de extermínio que segue promovendo um genocídio. Causa muita revolta ver mais uma vez o sangue dos nossos estudantes no chão”, afirmou a Ana Morel.

Política genocida

Tal brutalidade aconteceu algumas horas após duas outras mortes decorrentes da incursão policial em favelas, no dia 20 de maio.

Uma das vítimas foi João Vitor Gomes da Rocha, 18 anos, morador da Cidade de Deus, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, enquanto também acontecia uma distribuição de cestas básicas na comunidade.

Horas depois, João Pedro Mattos Pinto, de 14 anos, foi morto a tiros, por aquelas balas perdidas que encontram facilmente corpos negros, durante a operação das polícias Federal e Civil, no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, região metropolitana do Estado do Rio de Janeiro. João Pedro estava dentro de casa, brincando com os primos.    

Estatísticas

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 54% da população se declara preta ou parda no Estado do Rio de Janeiro.

E, pesquisa realizada pelo Instituto de Segurança Pública (ISP) indica que o percentual de negros entre os mortos pela polícia no estado, considerando o levantamento feito para o primeiro semestre de 2019, é semelhante ao do conjunto do país em 2018, conforme divulgado pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública.  Negros e pardos representam 711 dos 885 mortos, 80,3% dos casos. Nas estatísticas de homicídios (2.090 mortes no mesmo período), os negros e pardos representam 71%.

“Parece que todo o sofrimento causado pela pandemia da Covid-19 (perda de familiares, desemprego, fome...) nas comunidades ainda é pouco para o desejo genocida do Estado que se manifesta através das “operações” policiais que não dão trégua nem num momento como esse”, diz Ana Cláudia Silva, professora de Sociologia da UFF e dirigente da Aduff.

Para ela, tais mortes não são só uma consequência não desejada dessas ações. Elas são premeditadas porque constituem um projeto político de genocídio da população negra e pobre, moradora dessas comunidades. “É racismo.  Se assim não fosse, essas vidas realmente importariam e a ação policial teria de ser diferente, como é nas zonas brancas e ricas das cidades”, considera a sindicalista.  

A Seção Sindical dos Docentes da UFF solidariza-se com a dor de familiares e amigos das vítimas e repudia a política genocida e racista do Estado do Rio de Janeiro e de seus agentes públicos. 

Da Redação da ADUFF
Por Aline Pereira

Rodrigo Cerqueira, 19 anos, morto durante operação policial no Morro da Providência Rodrigo Cerqueira, 19 anos, morto durante operação policial no Morro da Providência / Reprodução de Internet