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Mai
20
2020

MEC aposta em ‘normalidade’ e pressiona por EaD em tempos de pandemia

Andes-SN critica EaD; ensino semi-presencial na UFFS só com a concordância de todos os envolvidos; docentes da Paraíba resistem à pressão da reitoria

Desde que as medidas de distanciamento social se impuseram como necessidade para conter o avanço da Covid-19 no país, o Mistério da Educação tem pressionado as universidades para que viabilizem o ensino a distância (EaD) para os graduandos. No entanto, como advertem sindicalistas, o governo desconsidera as especificidades que envolvem as discussões pedagógicas e curriculares das instituições, como também as condições financeiras e estruturais que permitam aos docentes elaborar e aos discentes acompanhar as aulas virtuais. 

O MEC liberou o ensino remoto, em substituição as aulas presenciais, para o sistema federal de ensino, composto pelas universidades federais, pelos institutos federais, pelo Colégio Pedro II, pelo Instituto Nacional de Educação de Surdos (Ines), Instituto Benjamin Constant (IBC) e pelas universidades e faculdades privadas, no dia 17 de março.

O Andes-SN logo reagiu e publicou nota, no dia 18 de março, criticando a proposta do Ministério da Educação. O Sindicato Nacional afirma que “ao defender aulas on-line, o governo desconsidera a sobrecarga já existente e intensificada pela qual passam o(a)s docentes e o(a)s discentes no processo de reestruturação da vida cotidiana que a quarentena está exigindo. Desconsidera o fato de que aulas on-line exigem internet e equipamentos de qualidade, o que não é realidade para milhares de estudantes de origem popular, que hoje cursam as instituições públicas de educação, desconsidera o caráter pedagógico das aulas presenciais e as especificidades de cada disciplina e curso, entre outros. Ao defender aulas on-line, o governo acaba incentivando mais uma vez uma forma de ensino que não deve ser a principal, mas apenas suporte para o(a) docentes”.

Para Eblin Farage, professora da UFF e dirigente do Andes-Sindicato Nacional, o governo tenta impor é um “arremedo de Ead”.  “Não tem nenhum preparo para os professores e nem garantias de condições de acesso para os estudantes, como determina o decreto que regula essa modalidade”, explica.

De acordo com a docente, impor o EaD agora, em meio à pandemia, significa excluir amplos segmentos dos alunos ao ensino e impor aos docentes uma modalidade para o qual não receberam formação, não fizeram concurso para tal e podem não possuir tecnologia condizente. “A imposição de EaD busca uma aparência de normalidade para um período absolutamente excepcional; é desrespeitoso e autoritário com a realidade da comunidade acadêmica e do país”, considera Eblin Farage.

Ensino semi-presencial na UFFS

Em reportagem recente, o G1 informa que apenas seis das sessenta e nove instituições federais do país garantiram o ensino remoto: Universidade Federal do ABC (UFABC), Universidade Federal do Ceará (UFC), Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e a Universidade Federal de Itajubá (UNIFEI) aderiram ao ensino a distância.

De acordo com Vicente Ribeiro, professor do curso de História na Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) e membro da coordenação da seção sindical dos docentes, a SINDUFFS, tem uma incorreção na matéria do G1. A universidade, que mediante a pandemia suspendeu o calendário por prazo indeterminado, adotou um esquema parcial para a realização da EaD na graduação e na pós-graduação.

O Conselho Universitário da UFFS aprovou que qualquer decisão pelo ensino remoto deve seguir alguns critérios, entre eles a aprovação pelo colegiado da unidade; concordância individual do professor e concordância individual de cada estudante matriculado no referido curso. Além disso, as atividades à distância estão limitadas a 40% do componente curricular e envolvendo até 35% dos componentes ofertados por curso no semestre vigente.

“Podem ser ofertadas outras atividades curriculares complementares, como a realização de grupos de estudos, oficinas online, que são importantes para manter um vínculo, mas não substituem as aulas presenciais”, explica Vicente.

“Não sei se nossa decisão é generalizável, mas tem um princípio de que foi não deixar ninguém para trás. Deve prevalecer a concordância de todos os envolvidos no processo para fazer uma parte das disciplinas a distância”, disse o docente.

Para o docente, nesse contexto de governo autoritário, as decisões do MEC esbarram com frequência na autonomia universitária. Um exemplo ele tem bem perto: o Reitor da UFFS, professor Marcelo Recktenvald, foi conduzido ao cargo por Jair Bolsonaro em setembro de 2019. Ele era o terceiro colocado na lista tríplice encaminhada ao presidente.

“Cada universidade precisa levar em conta sua realidade. Importante garantir que o ensino de graduação seja presencial como regra. Vivemos um momento em que muitos cursos, principalmente da área de licenciatura, são ofertados a distância e hoje quase a metade das matrículas do estado de Santa Catarina é a distância. Defendemos a importância da vivência universitária e que a sala de aula seja um espaço comum a todos os estudantes”, disse Vicente.

Pressão e resistência na Paraíba

Partindo do Sul para o Nordeste, temos o caso da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), onde tem havido grande pressão para que as instituições no Estado promovam o ensino remoto. A reitoria da UEPB, por exemplo, apresentou documento dois dias após a suspensão das aulas, para incentivar a continuidades das aulas teóricas, inclusive, afirmando que seriam computadas para registro das atividades no controle acadêmico da universidade.

A seção sindical reagiu e, por meio de nota pública, pediu aos docentes que não aderissem à possibilidade, mesmo que facultativa, da realização de aulas virtuais, como indicado pela reitoria da UEPB.

A nota ainda elenca outras questões inerentes ao ensino remoto que devem ser criticadas, como o fato de não ter havido qualquer capacitação massiva aos docentes para a realização de atividades virtuais à distância. Diz que a reitoria tenta incentivar uma forma de ensino que não deve ser a principal, mas apenas suporte para os(as) docentes e que não considera que metade dos estudantes da instituição são oriundos de cotas sociais e que esse segmento, por sua condição sócio-econômica, tem muitas dificuldades de acesso às tecnologias e ao universo virtual e que acumulará prejuízos com aulas virtuais. O mais grave: o estímulo ao ensino remoto que a reitoria da UEPB tenta promover desconsidera ainda que estudantes de pelo menos seis de seus campi residem em áreas rurais, onde o acesso à internet é ainda mais difícil, reforçando a exclusão social e contribuindo a médio e longo prazo para a evasão acadêmica.

Para a seção sindical, que o documento publicado pela reitoria da UEPB gerou intranquilidade e desconforto à comunidade acadêmica, além de acentuar a precarização do trabalho docente. A AdUEPB tem disponibilizado a assessoria jurídica para orientar e apoiar aos docentes que se sintam pressionados a participar ou a produzir aulas virtuais.

Segundo a professora Mauriene Silva de Freitas, presidente da seção sindical dos docentes, a UEPB está agindo em coordenação com universidades federais e o instituto federal do Estado.  As seções sindicais do Andes-SN se organizam, juntamente com a base do Sinasefe, e as coordenações de centro das unidades para realizar ações coordenadas de enfrentamento à medida no Estado.

“A medida em que a pandemia se estende, os professores começam a ficar angustiados porque o movimento que a Universidade está fazendo é de baixo para cima. Como ela não conseguiu impor essas atividades facultativas porque a categoria seguiu a nossa orientação e nosso chamamento, agora, eles estão fomentando por dentro. Tem conversado individualmente com professores e alunos para pressionar pelo ensino remoto”, disse a docente. A leitura que temos é que se eles conseguirem aprovar a EaD em qualquer instituição pública de ensino de superior por aqui, as outras irão a reboque.

A docente informa que a UEPB tem algo entre 800 e 900 professores e que, de acordo com a reitoria, aproximadamente 300 deles aderiram ao ensino remoto. Mauriene de Freitas acredita que o grupo seja majoritariamente composto por professores substitutos, que, por estarem em situação precarizada, temem o corte de salários. “É uma situação muito tensa”, considera a professora.

Da Redação da ADUFF
Por Aline Pereira 

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