Abr
18
2020

STF nega Constituição e julga legal empresa reduzir salários sem acordo coletivo na pandemia

Ministros abrem precedente contra a irredutibilidade salarial ao julgar MP 936

DA REDAÇÃO DA ADUFF

Nenhum ministro dos dez que votaram chegou a negar os artigos da Constituição Federal que estabelecem que reduções salariais só podem ocorrer mediante negociação coletiva com participação do sindicato. Mesmo assim, sete deles formaram maioria para julgar constitucional  a Medida Provisória 936/2020, que autoriza acordos individuais neste sentido. A decisão tem impacto imediato sobre os trabalhadores da iniciativa privada, mas abre precedente que pode ter reflexos sobre toda a classe trabalhadora do país.

 O julgamento da Medida Provisória 936/2020 começou na tarde da quinta-feira (16), com as sustentações orais do autor da ação, o partido Rede Sustentabilidade, da Advocacia-Geral da União e de entidades aceitas pelo relator como interessadas na ação (amici curiae). Centrais sindicais dos trabalhadores defenderam a inconstitucionalidade da medida, denominada Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, apresentado pelo governo como iniciativa para manter empregos durante a pandemia do coronavírus e com duração prevista de três meses. O único a proferir seu voto foi o relator, ministro Ricardo Lewandowski. O julgamento iria prosseguir, mas problemas técnicos na transmissão remota da sessão levaram ao adiamento para esta sexta-feira (17).

Sem sindicatos

A medida provisória permite a redução proporcional de salários e jornadas em até 70% por três meses e a suspensão do contrato de trabalho por 60 dias. Prevê ainda uma compensação paga pelo governo ao trabalhador, mas em geral aquém da remuneração perdida. O texto da MP prevê que essa negociação será individual, sem participação dos sindicatos. A medida delimita tal negociação a trabalhadores que recebam até R$ 3.135,00 ou mais de R$ 12.102,00, fixando como obrigatória a negociação coletiva para faixas intermediárias entre um valor e outro. 

A liminar concedida pelo ministro Ricardo Lewandowski atendia muito parcialmente o pedido de inconstitucionalidade. Na prática, podia ser considerada até mesmo inócua – tanto que a decisão, após resposta de Lewandowski a embargos de declaração da Advocacia-Geral da União, teria sido comemorada pelo próprio governo. O ministro determinara que os sindicatos precisavam ser avisados em até dez dias da celebração do acordo individual. Caso não se manifestassem, o acordo seguiria valendo normalmente. Mas ppodiam optar pela abertura de negociação coletiva. O problema é que, mesmo neste caso, as reduções ou suspensões de contratos continuariam valendo até que se chegasse a um desfecho para o acordo coletivo.

Relator

O ministro Ricardo Lewandowski, ao ler o seu voto, reconheceu que a Constituição Federal impede a redução de salários, salvo em acordos coletivos firmados com a participação do sindicato. No entanto, a sua posição permitia que acordos individuais tivessem validade imediata, antes mesmo de comunicados ao sindicato. “Exatamente para mostrar que a minha decisão procurou harmonizar a intenção do governo, que temos que reconhecer que foi uma intenção benfazeja diante dessa terrível crise econômica que nos assola em razão da pandemia, com as cláusulas pétreas da Constituição que abrigam direitos e garantias fundamentais dos trabalhadores, que não podem ser deixadas de lado num momento de crise”, disse o ministro, admitindo, de certo modo, que procurou conciliar uma medida que considera ser inconstitucional com a Constituição. Esse raciocínio ficou nítido durante o desenrolar da sessão que concluiu o julgamento da liminar.

O ministro Edson Fachin abriu a divergência favorável aos sindicatos. Ele votou pela inconstitucionalidade total da medida provisória. Foi seguido pela ministra Rosa Weber. Já a divergência contrária às representações dos trabalhadores foi aberta pelo ministro Alexandre de Moraes, seguido por Luiz Fux, Roberto Barroso, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes, Marco Aurélio de Mello e Dias Toffoli.

Quase todos, ao proferir seus votos, reconheceram de certa forma que a Constituição Federal assegura a irredutibilidade salarial, mas buscaram outras argumentações para justificar seus votos. O principal deles, a segurança jurídica dos acordos já realizados, a excepcionalidade do momento e a necessidade de preservar empregos. Nenhum deles mencionou, por exemplo, que os empregos poderiam ter sido garantidos com outras medidas e iniciativas estatais.

Da Redação da Aduff
Por Hélcio Lourenço Filho

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