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Abr
02
2020

Negacionismo e revisionismo histórico servem ao projeto conservador e extrapolam muros da Universidade

Tatiana Poggi - professora de História Contemporânea da UFF - comenta declarações de lideranças políticas que exaltam o golpe militar de 1964 e afirma que negacionismo e revisionismo encontram apoio em meio à frágil democracia brasileira

 

Em tempos de tantos retrocessos, quando há setores que se beneficiam de práticas que promovem desinformação e fakes news, Tatiana Poggi, professora do curso de História Contemporânea da UFF, comenta as exaltações à ditadura empresarial-militar (de 1964 até 1985) feita por lideranças políticas brasileiras.

Ela se refere às declarações do vice-presidente Hamilton Mourão, no Twitter, e à nota conjunta assinada por Fernando Azevedo e Silva - Ministro da Defesa; Ilques Barbosa Junior - Comandante da Marinha; Edson Leal Pujol - Comandante do Exército e Antônio Bermudez - Comandante da Aeronáutica na terça-feira (31) - marco dos 56 anos do golpe que silenciou, torturou e assassinou quem ousou se manifestar contra a ascensão dos militares ao poder.

Tatiana Poggi explica que há duas correntes de interpretação que disputam com as práticas historiográficas amparadas pela perspectiva crítica. Uma delas é o negacionismo – aquela que, por exemplo, afirma não ter havido ditadura, nazismo, fascismo, escravidão e afins.

A outra corrente, de perfil liberal-conservador, é o revisionismo, que não necessariamente vai negar a existência da ditadura e outros eventos históricos. Terá como principal ponto de argumentação um suposto apoio generalizado da sociedade à ditadura, não considerando as estratificações sociais, interesses de classe e legitimando o discurso de que era necessário proteger o país de uma suposta ameaça comunista. “Não considera as estratificações sociais, os grupos de poder e ainda aqueles que se beneficiaram daquele regime. Também não critica o discurso que se apoia em uma doutrina de segurança nacional em vista de ameaça comunista”, afirma Tatiana Poggi.  

Ela revela que a corrente revisionista se preocupa em coletar fontes de época, mas que não consegue fazer a devida crítica à documentação. “Um exemplo é uma pesquisa de opinião feita à época, já durante o regime militar, pela qual as pessoas não diziam ser contra a ditadura. Quem naquelas circunstâncias afirmaria não apoiar o regime? Essa corrente revisionista não leva em conta o impacto do medo, uma questão chave para entender aquele contexto. Isso não necessariamente queria dizer que houvesse um consenso de toda a sociedade com a ditadura”, explica a docente. “Fazer escolhas num período de terror é diferente de fazer escolhas num período democrático”, complementa.

Segundo Tatiana Poggi, no Brasil, especificamente, os revisionistas vão se inspirar em uma discussão que vem da memória construída sobre o papel desempenhado pela resistência francesa durante o Holocausto e de uma historiografia europeia que muitas vezes, na visão deles, superestimava o papel da resistência e não olhava para os níveis de apoio social que o fascismo teve na Europa. 

Pode-se afirmar, então, que os revisionistas apresentam a visão que melhor lhe convém para disseminação de um dado projeto político. “No caso da ditadura, não vão criticar, por exemplo o argumento utilizado pelo próprio regime para justificar o golpe, segundo o qual foi necessário para ‘salvar’ a democracia, garantir a segurança nacional e, assim, impedir o perigo vermelho comunista”, analisa a docente.  “Não vão fazer a crítica de que não havia real ameaça comunista”, comenta Tatiana.  

Para a docente, a popularização do negacionismo e do revisionismo histórico têm muitos impactos sociais negativos.

“Ambos igualam as condições de participação política dos sujeitos numa democracia e num regime autoritário, como se os dois ambientes, as correlações de força e a possibilidade de ação dos sujeitos fossem os mesmos. Depois, ocultam a alienação e não colocam em jogo o papel de manipulação e da dificuldade de entendimento de uma determinada situação social.  Além disso, desprezam totalmente a importância dos direitos civis, políticos e humanos. Há no negacionismo uma clara naturalização da tortura, da violência, dos sequestros, das prisões sem capacidade de defesa. Para os tempos que vivemos, essa é uma das piores consequências”, explica Tatiana Poggi.

Da Redação da ADUFF
Aline Pereira