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Jan
04
2020

Mudanças que MEC quer impor na formação de professores são associadas a interesses privados

Setores das comunidades acadêmicas defendem a rejeição da proposta de nova resolução aprovada no Conselho Nacional de Educação; para diretora da Aduff, versão apresentada reflete vozes da iniciativa privada e não interesses públicos 

DA REDAÇÃO DA ADUFF

Setores da comunidade científica reagiram às mudanças propostas pelo Conselho Pleno do Conselho Nacional de Educação, que definem novas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial da Educação Básica e instituem a Base Nacional Comum para a Formação Inicial de Professores para a Educação Básica (BNC – Formação). 

A proposta altera a Resolução CNE/CP nº 2 (de 1º de julho de 2015), que legisla sobre a formação de professores. Em documento de 18 de dezembro, 25 faculdades, centros e departamentos de Educação das universidades públicas localizadas no estado do Rio de Janeiro se posicionaram contrariamente ao Projeto de Resolução aprovado em novembro de 2019 pelo Conselho Pleno. "A proposta aprovada descaracteriza a formação de professores em seus princípios fundamentais – sólida formação teórica e interdisciplinar, unidade teoria-prática, gestão democrática e a formação inicial e continuada articulada ao compromisso social da Universidade a partir do tripé indissociável ensino-pesquisa-extensão", diz trecho da nota conjunta divulgada em dezembro.

A manifestação em nota das universidades públicas afirma, mais adiante, que a resolução acentua a mercantilização da educação e não tem preocupação com a qualidade. "O projeto de Resolução aprovado em 07/11/2019, e ainda não homologado, favorece a formação à distância em instituições que visam apenas o lucro sem mínimos padrões de qualidade, e que hoje são responsáveis majoritariamente pela formação dos professores que atuam na educação básica, impactando negativamente sua qualidade. A proposta aprovada, se homologada, provocará a ampliação e o aprofundamento dos processos de desprofissionalização e de precarização do trabalho docente com impactos nocivos à qualidade da educação básica.", diz o documento, cuja íntegra está ao final deste texto.

"Não há justificativa"

Para a professora Adriana Penna, que integra a direção da Associação dos Docentes da Universidade Federal Fluminense (Aduff-SSind), embora a Resolução CNE/CP Nº 02 tenha limites a serem superados, "não há justificativa razoável para a aprovação em sessão extraordinária, no dia 7 de novembro, do Parecer e da Resolução que define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial de Professores da Educação Básica", que também institui a Base Nacional Comum de Formação Inicial de Professores da Educação Básica. "Como tantos outros ‘anúncios’ feitos por este governo no campo da educação, o Conselho Nacional de Educação e o MEC mais uma vez impediram que as entidades histórica e diretamente ligadas às questões educacionais apresentassem e contribuíssem para este processo", critica.

Segundo ela, a nota das universidades denuncia a rendição total do CNE "às imposições dos organismos internacionais, a exemplo da OCDE [Organização Para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico], e das entidades nacionais, haja vista o peso político e ideológico do Todos Pela Educação nesse processo, e sua inserção na própria estruturação e poder de decisão junto ao CNE". A reformulação da resolução apresentada, afirma, sob uma falsa retórica da qualidade e valorização, busca aprofundar a adequação da formação de professores "às competências exigidas pelo mercado". Na avaliação da docente e dirigente da Aduff, há uma relação entre o que se propõe para formação de professores e os interesses da iniciativa privada, as demandas do capital. "É necessário que o Conselho Nacional de Educação explicite o que está entendendo por `valorização docente`, bem como explicite o que define como `qualidade da educação`. Para atender a quais interesses?", questiona.

Para a docente, os setores que estão se impondo na nova proposta são expressões da crise capitalista. "Soa nessas vozes os interesses da iniciativa privada e da formação para o desemprego, para a informalidade, para as novas formas de precarização do trabalho já em curso no Brasil após a reforma trabalhista de Temer, e agravada pela reforma da previdência de Bolsonaro. Trata-se de um novo perfil docente, para atuar em uma nova estrutura escolar e para forma um novo trabalhador: o trabalhador, super-explorado, ultra-precarizado nas suas novas formas uberizadas", analisa professora Adriana Penna.

DA REDAÇÃO DA ADUFF - 4/1/2020
Por Hélcio Lourenço Filho e Aline Pereira

Veja a nota das universidades públicas do Estado do Rio contra a reformulação da Resolução CNE/CP Nº 02 DE 2015

"As faculdades, centros, cursos e departamentos de Educação das universidades públicas localizadas no estado do Rio de Janeiro, através de seus gestores, professores e estudantes  das licenciaturas, posicionam-se contrários ao processo e à proposta de alteração das diretrizes nacionais curriculares da formação de professores e em defesa da Resolução CNE/CP nº 2 de 01 de julho de 2015. O Projeto de Resolução aprovado no Conselho Pleno do Conselho Nacional de Educação em 07/11/2019, que propõe definir novas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial de Professores para a Educação Básica e instituir a Base Nacional Comum para a Formação Inicial de Professores para a Educação Básica (BNC-Formação), altera a Resolução 02/2015, legislação vigente relativa à formação de professores, sem efetuar um processo de avaliação da sua implementação e de seus resultados, desconsiderando o esforço empreendido pelas IES formadoras, em todo o país, no sentido de reformular seus cursos e elaborar projetos institucionais de formação, em um rico processo de discussão coletiva nos órgãos colegiados das Universidades. 

A proposta aprovada descaracteriza a formação de professores em seus princípios fundamentais – sólida formação teórica e interdisciplinar, unidade teoria-prática, gestão democrática e a formação inicial e continuada articulada ao compromisso social da Universidade a partir do tripé indissociável ensino-pesquisa-extensão – e a construção de projeto institucional de formação como propõe a Resolução 02/2015. Tal projeto ignora a necessária e essencial valorização do profissional da educação e a autonomia pedagógica das instituições formadoras, desconsidera os avanços do pensamento educacional brasileiro adotando concepções ultrapassadas como a pedagogia das competências e uma visão restrita e instrumental de docência, entre tantos outros equívocos apontados em diversos manifestos e documentos das entidades nacionais, assim como de pesquisadores da área da educação e da formação. A alegação de necessidade de adequação dos currículos dos cursos de formação de professores à Base Nacional Comum Curricular da Educação Básica (BNCC) não é argumento ou justificativa suficiente para a alteração da Resolução 02/2015. A formação de professores não pode se restringir à preparação para a implantação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) da Educação Básica e da Reforma do Ensino Médio (Lei nº 13.415/2017) e, nesse sentido, repudiamos a formação docente restrita à aquisição de competências, assim como repudiamos tal modelo para a BNCC.

Ademais, a produção do Projeto de resolução aprovado privilegiou o diálogo com instituições e fundações privadas, ignorando a ampla produção científica sobre a formação de professores e o clamor da comunidade acadêmica e das entidades nacionais do campo educacional, que reconhecem a Resolução CNE n° 02/2015, como materialização de uma concepção formativa da docência que articula indissociavelmente uma política de valorização profissional dos professores, que contemple formação, carreira e condições de trabalho, às demandas formativas da escola básica. Durante a única audiência pública realizada pelo CNE, em 8 de outubro de 2019, representantes de diversas entidades nacionais do campo acadêmico, dentre as quais destacamos a ANFOPE, a ANPED, a ABDC e o FORUMDIR, apontaram os equívocos da proposta e solicitaram seu arquivamento, assim como a imediata implementação da Resolução 02/2015. Cabe destacar que o Colégio de Pró-reitores de Graduação das universidades públicas da ANDIFES – o COGRAD, se manifestou publicamente demandando a manutenção da Resolução CNE/CP 02/2015. Ademais os resultados da ‘consulta pública’, realizada no mês de outubro de 2019, não foram divulgados, tendo em vista as inúmeras manifestações que solicitavam o arquivamento da proposta e a manutenção, sem alterações, da Resolução CNE/CP 02/2015. Destacamos ainda a forma com que o processo foi encaminhado e a aprovação apressada e sem discussão mais aprofundada com a área acadêmica, de uma matéria tão importante e com alto impacto para a educação básica e superior no país. 

O Conselho Nacional de Educação ignora a excelência acadêmica dos cursos de licenciatura das Universidades públicas e a pesquisa acadêmica que demonstram que o caminho para sanar os problemas da Educação Básica não passa pela revogação da Diretrizes atuais de formação (Res. 02/2015), mas sim por sua implementação. Assim, invocamos o princípio constitucional da autonomia universitária na construção de projetos institucionais de formação, que articulando indissociavelmente ensino, pesquisa e extensão têm as condições necessárias para atender as demandas de formação inicial e continuada do magistério, em suas diversas modalidades, e assim, enfrentar a realidade educacional dos sistemas de ensino, sejam eles estaduais, municipais e/ou federais, cumprindo o compromisso social da Universidade. 

O projeto de Resolução aprovado em 07/11/2019, e ainda não homologado, favorece a formação à distância em instituições que visam apenas o lucro sem mínimos padrões de qualidade, e que hoje são responsáveis majoritariamente pela formação dos professores que atuam na educação básica, impactando negativamente sua qualidade. A proposta aprovada, se homologada, provocará a ampliação e o aprofundamento dos processos de desprofissionalização e de precarização do trabalho docente com impactos nocivos à qualidade da educação básica. Acreditando que a avaliação das políticas educacionais é também papel da Universidade autônoma e socialmente referenciada, nos posicionamos críticos e contrários à reformulação da Resolução CNE nº 2/2015, à restrição orçamentária produzida pela Emenda Constitucional 95/2016, aos cortes de bolsas e recursos, e aos ataques frontais e recorrentes à autonomia universitária. Finalizamos, reafirmando a necessidade da imediata implementação da Resolução CNE/CP  02/2015 que instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial e Continuada de Professores.

Rio de Janeiro, 18 de dezembro de 2019. 

UERJ - Conselho Departamental da Faculdade de Educação - Campus Maracanã 

UERJ - Colegiado do Departamento de Educação da FFP - Faculdade de Formação de 

Professores - Campus São Gonçalo 

UERJ - Colegiado do Programa de Pós-Graduação em Educação, Processos Formativos e 

Desigualdades Sociais da Faculdade de Formação de Professores - PPGEDU/FFP/UERJ

UERJ - Conselho Departamental da Faculdade de Educação da Baixada Fluminense -

FEBF/UERJ - Campus Duque de Caxias 

UFF - Colegiado Geral de Licenciaturas da Universidade Federal Fluminense

UFF - Colegiado de Unidade da Faculdade de Educação 

UFF - Colegiado do Curso de Pedagogia - Campus Niterói

UFF - Colegiado do Curso de Pedagogia - Instituto de Educação de Angra dos Reis IEAR/UFF

UFF - Departamento de Educação do Instituto de Educação de Angra dos Reis – IEAR/UFF

UFF - Direção do Instituto de Educação de Angra dos Reis - IEAR-UFF

UFF - Divisão de Prática Discente da UFF

UFF - Pró- Reitoria de Graduação 

UFRJ - Congregação da Faculdade de Educação

UFRRJ – Conselho de Unidade do Instituto de Educação - IE/UFRRJ Campus Seropédica

UFRRJ – Colegiado do Dep. de Teoria e Planejamento de Ensino - DTPE/IE/UFRRJ 

UFRRJ – Coordenação do Curso de Pedagogia - IM/UFRRJ Campus Nova Iguaçu 

UFRRJ – Coordenação do Curso de História do ICHS/UFRRJ Campus Seropédica

UFRRJ – Departamento de Geografia - DEGEO/IM/UFRRJ Campus Nova Iguaçu 

UFRRJ – Chefia do Departamento de Educação e Sociedade - DES/IM/UFRRJ

UFRRJ - Pró-Reitoria de Graduação - PROGRAD/UFRRJ

UNIRIO - Colegiado da Escola de Educação da UNIRIO

UNIRIO - Programa de Pós-Graduação em Educação – PPGEDU/UNIRIO

UNIRIO - Departamento de Didática da Escola de Educação da UNIRIO

UNIRIO - Departamento de Fundamentos de Educação da Escola de Educação da UNIR

 (Nota elaborada em reunião realizada em 29/11/2019, na Faculdade de Educação da UERJ, por professores, gestores e coordenadores de curso presentes, e submetida a apreciação pelos coletivos de diversas Universidades públicas fluminenses.)

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