Print this page
Jan
04
2020

Governo quer usar MP 914 para colocar candidatos rejeitados em reitorias, afirmam sindicatos

Dirigente da Aduff afirma que medida atenta contra democracia e busca facilitar patrulha sobre atividades acadêmicas imposição de projetos como o Future-se; entidades convocam comunidade universitária a reagir

DA REDAÇÃO DA ADUFF

Medida Provisória assinada pelo presidente Jair Bolsonaro, na véspera do Natal, impõe regras para eleição de reitores nas instituições federais de ensino que, na prática, dão ao governo poder para decidir sobre as nomeações, sem considerar os resultados das consultas às comunidades acadêmicas.

É o que afirmam dirigentes de entidades sindicais do setor, que veem na medida uma tentativa de pavimentar o caminho para impor projetos como o `Future-se` e para um maior controle ideológico sobre as comunidades acadêmicas. "A medida tem essa tentativa de impor o Future-se através da nomeação do reitor pelos interesses políticos do [presidente] Bolsonaro. E foi dado o poder dos reitores nomearem os diretores das unidades. É uma maneira também de concentrar um poder sem medida nas mãos dos reitores e dessa forma conseguir a aprovação do programa Future-se. Poucos reitores endossaram até agora esse programa, que privatiza por dentro as universidades", afirma o professor Carlos Augusto Aguilar, vice-presidente da Associação dos Docentes da UFF (Aduff-SSind), seção sindical do Andes-SN.

Outro aspecto da medida é ressaltado por ele, relacionado à chamada `pauta`conservadora do atual governo e também aos interesses privados nas instituições de ensino: "Com o reitor nomeado pela Presidência da República, sem necessariamente respeitar a decisão da comunidade ao compor a lista tríplice e depois nomeando os seus diretores de unidade, diretores de campi, fica muito mais fácil realizar um controle das atividades acadêmicas", observa Carlos, pontuando que isso teria reflexos ainda nas iniciativas que debatem aspectos políticos do país e do mundo, que podem e devem ser desenvolvidas nas universidades.

Reação

O Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições Públicas de Ensino Superior (Andes-SN) divulgou nota na qual defende que as comunidades acadêmicas atuem para derrubar a MP. Medidas provisórias entram em vigor imediatamente após publicadas, mas precisam ser votadas em até 120 dias pelo Congresso Nacional para que não caduquem e percam a validade. 

O Andes-SN e a Aduff-SSind veem na medida uma tentativa de acabar com a democracia em universidades e institutos e um ataque frontal à autonomia acadêmica. Em nota, a direção do Sindicato Nacional afirma que a medida é ilegal. "O ANDES-SN considera inconstitucional a utilização do instrumento da Medida Provisória para tratar de matéria que não preenche os critérios para tal; e repudia tais medidas que atacam a autonomia das universidades, suficientemente expressa no Artigo 207 da Constituição Federal de 1988, e a democracia das IES, além de aprofundar o autoritarismo ao concentrar poder nas mãos do(a) reitor(a) e, por consequência, do Presidente da República que o(a) escolhe˜, diz a nota divulgada no dia de Natal, 25 de dezembro de 2019.

Outras entidades sindicais também se posicionaram contra a medida, entre elas o Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Educação Básica, Profissional e Tecnológica (Sinasefe): "Bolsonaro tenta destruir a democracia das Ifes modificando eleições para reitores e acabando com as eleições para diretores dos campi". A medida atinge todas as instituições federais de ensino, inclusive institutos tecnológicos e o Colégio Pedro II. 

Mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal já questiona a constitucionalidade da medida. A ação está nas mãos da ministra Rosa Weber. O presidente do STF, Dias Toffoli, que poderia decidir sobre o pedido de liminar por ser o plantonista durante o recesso no tribunal, avaliou não haver urgência e deixou a decisão para a ministra-relatora do caso, que deverá analisá-lo em fevereiro.

O que diz a MP

A MP 914/2019 fixa novas regras para as eleições nas instituições federais de ensino. Entre elas, no caso das universidades, que uma lista tríplice deverá ser formada por meio de eleição direta da comunidade acadêmica, com o peso desigual entre docentes, técnicos e estudantes (70% - 15% - 15%) e sem que a lista final passe pelo Conselho Universitário. Antes da MP, não havia determinação legal pela eleição direta, mas as universidades, em geral, fazem consultas à comunidade acadêmica e, posteriormente, ratificam a decisão no Conselho Universitário.

No caso dos institutos federais e do Colégio Pedro II, a MP 914 institui a formação de uma lista tríplice, com os três mais votados, e reduz drasticamente o peso de estudantes e técnicos nas eleições. Estes, passam a corresponder a 15% cada do colégio eleitoral, enquanto os docentes representam 70%. A relação que estava em vigor era de pesos iguais para os três segmentos, cada um correspondendo a um terço do universo eleitoral. 

Não havia lista tríplice, como existia nas universidades: o mais votado nos institutos e no CPPII deve ser nomeado reitor, pelas regras legais anteriores à MP. A medida também acaba com eleição para as direções dos campi, que passam a ser definidas pelo reitor - escolhido já sob as regras que dão muito mais poderes ao presidente da República para decidir sobre isso.   

Mais poder para o presidente e o reitor

As mudanças são nitidamente voltadas para dar mais poderes ao presidente da República na definição dos reitores. Na prática, Bolsonaro poderia, dentro MP que tenta converter em lei no Legislativo, não considerar os mais votados nas consultas democráticas e decidir unilateralmente os nomes que vão compor as reitorias. 

Isto porque dois motivos. Primeiro, porque aumenta em muito as chances de setores altamente rejeitados nas comunidades acadêmicas conseguirem compor a lista tríplice, mesmo com votações pífias. Segundo, porque a medida permite a imposição nomes nem sequer submetidos às eleições: em caso de supostas irregularidades nas consultas, o governo poderia nomear um interventor temporário.

Desde que assumiu a Presidência da República, Bolsonaro vem atacando os processos democráticos nas universidades e institutos federais. Em pelo menos sete casos, desrespeitou as escolhas da comunidade ou usou subterfúgios legais para nomear reitores não eleitos. Assinada em meio ao recesso escolar, às festas de fim de ano e a poucas semanas das férias de verão, a data escolhida para a edição da medida provisória tem o evidente objetivo de aproveitar da natural baixa mobilização deste período.

O dirigente da Aduff lamenta que, ao longo de quase 14 anos de governos de frente popular, essa questão não tenha sido solucionada e consolidada numa legislação que atenda às demandas das entidades sindicais amplos segmentos na universidade por paridade e respeito ao resultado da consulta eleitoral na comunidade acadêmica. Ressalta, porém, que é preciso construir mais essa frente de luta para derrotar a MP 914. "Isso com certeza será parte do debate e das resoluções do Congresso do Andes-SN, que acontecerá do dia 4 a 8 de fevereiro, na USP, em São Paulo, sediado pela Adusp. E vamos para lá para fazer o enfrentamento nas ruas, no Congresso Nacional e na disputa jurídica", defende. 

Alguns aspectos da MP 914

1) Determina que a formação da lista tríplice nas universidades se dará por meio de eleição direta, com peso desigual entre os segmentos na composição do colégio eleitoral (70% para docentes, 15% para técnicos e 15% para estudantes);

2) Estabelece a possibilidade de intervenção, com nomeação de reitor temporário, sempre que o processo eleitoral estiver sob 'suspeita' de irregularidade;

3) Nas universidades, o Conselho Universitário deixa de decidir sobre a lista tríplice que, pela legislação que estava em vigor, seria submetida ao presidente da República;

4) Cria a lista tríplice nos institutos federais de ensino e no Colégio Pedro II para escolha de reitor - pela legislação até então em vigor, o candidato mais votado pela comunidade escolar tem que ser nomeado pelo presidente da República;

5) Fixa a composição do colégio eleitoral nos institutos e no CPII na seguinte proporção: peso de 70% para docentes, 15% para técnicos e 15% para estudantes; até então, a proporção era paritária: um terço, um terço e um terço. 

6) Acaba com as eleições para diretores de unidades e para os campi, que passam a ser escolhidos diretamente pelo reitor nomeado pelo presidente a partir da lista tríplice;

7) O texto deixa dúvidas, mas é possível interpretar que fica proibida a reeleição para reitoria;

8) As alterações, na prática, aumentam sobremaneira as possibilidades de o presidente escolher um reitor alinhado politicamente com ele, mesmo que este tenha sido fragorosamente rejeitado na consulta à comunidade acadêmica.   

DA REDAÇÃO DA ADUFF - 3/1/2020
Por Hélcio Lourenço Filho

Additional Info

  • compartilhar: