Dez
02
2019

Debate promovido pela Aduff defende cotas para negros

Atividade no mês da Consciência Negra também teve lançamento de cartilha impressa pela Aduff de combate ao racismo, elaborada pelo Andes-SN

A Aduff promoveu o debate "Cotas para negros em concursos para docentes de instituições de ensino federais: quem aplica a lei?", realizado no dia 28 de novembro, no Salão Nobre da Faculdade de Direito da UFF.

Os palestrantes foram os professores Luiz Mello (UFG) e Caroline de Araújo Lima (Andes/Uneb), tendo ainda a participação da docente Flavia Rios (UFF), com mediação da professora Ana Claudia Cruz da Silva, diretora da seção sindical dos docentes da UFF. Houve transmissão ao vivo na página da Aduff no Facebook.

Na mesma ocasião, também foi lançada a cartilha de combate ao racismo, produzida pelo Grupo de Trabalho de Políticas de Classe, Questões Étnicorraciais, Gênero e Diversidade Sexual (GTPCEDS) do Andes-SN e que teve 1.500 exemplares impressos pela Aduff.

Interpretação da lei

Inicialmente, o sociólogo Luiz Mello (UFG) apresentou dados da pesquisa sobre o tema, considerando as ações afirmativas para negros e negras em concursos públicos para docentes em Universidades e em Institutos Federais - tendo como referência as leis nº 12711 (2012); nº 12990 (2014); Decreto nº 9427 (2018). Chamou atenção para o tempo de vigência das duas primeiras legislações e verificou que ainda há muito a se fazer para garantir o cumprimento da lei de forma ampla, capaz de promover a representatividade para enfrentar o racismo no ambiente acadêmico.

“Cheguei a essa pesquisa porque ocupei um cargo de gestão na Universidade Federal de Goiás e acompanhei a implementação da lei de cotas para os estudantes de graduação a partir de 2012 e 2013. Observei que a chegada desses estudantes negros à universidade colocavam alguns desafios inerentes a essa própria política de reserva de vagas para cursos de graduação, mas ao mesmo tempo, esses estudantes chegavam e não encontravam docentes negros que os representassem ou com os quais se identificassem e construísse uma relação que os ajudassem a enfrentar o racismo nas instituições ou em suas vidas de maneira geral”, disse. “Foi um momento diferente na minha trajetória, pois não sou pesquisador de questões raciais e de ações afirmativas. Comecei a me aproximar desse debate de 2017 para cá e sei qual é exatamente o meu lugar de homem branco neste contexto e nesse debate, mas sei também que estive em um lugar que me permitiu observar algumas coisas”, alertou.

Luiz Mello mapeou editais e concursos públicos de 63 universidades e 38 institutos federais das cinco regiões do país, considerando o período 9 de junho de 2014 (data de promulgação da lei 12.990, que reserva 20% para candidatos negros) a 31 de dezembro de 2018. Verificou que - em 4,5 anos - houve 18.175 vagas divulgadas por edital das universidades, sendo 16.698 delas para ampla concorrência. Destas apenas 968 (5,8%) foram destinadas à reserva de vagas.

No caso dos institutos federais, a média nacional é de 12% de vagas reservadas para candidatos negros, evidenciando que a forma de organizar o concurso, mesmo interpretando a lei de forma restritiva, como alerta o palestrante, é o que garante melhor índice do que no caso das universidades. “Esses dados estão sujeitos a pequenos erros, mas é muito improvável que eu tenha errado no levantamento de todas as vagas”, salientou.

Citou as quatro universidades federais do Rio de Janeiro – UniRio, UFRRJ, UFF e UFRJ – e os dois institutos federais. A UFF, por exemplo, realizou concurso para 551 vagas no período de 4,5 anos e que apenas 5 foram reservadas para candidatos negros. No levantamento apresentado por Luiz Mello, a UniRio ofertou 82 docente e não reservou nenhuma vaga para candidatos negros; UFRJ fez concurso para 629 vagas e reservou 14 vagas; a UFRRJ selecionou 194 candidatos e nenhuma vaga foi reservada nos termos da lei.

“Falo em reserva de vagas em editais e não em preenchimento de vaga. Pode ser que por alguma razão não tenha aparecido candidato para aquela vaga, que o candidato negro tenha sido reprovado ou que o candidato negro tenha sido rejeitado pela comissão de verificação obrigatória em concursos públicos”, alertou.

Isso porque a maioria das universidades ainda interpreta a seleção para cada área como um concurso com edital específico. De acordo com o palestrante, tal entendimento viola a lei, dificulta sua implantação e deve ser combatido, explicou, revelando que a Universidade Federal de Goiás dedicou-se a compreender a legislação. “Tem que reunir as vagas num único edital e realizar sorteio prévio, em audiência pública, antes da divulgação do edital, sinalizando em quais áreas será feita a reserva de vagas. Se não aparecer o candidato negro ou se ele não foi aprovado, a vaga vai para ampla concorrência” – disse, afirmando que a UFG fez isso em 2019. “Em 4,5 anos fizemos concursos para 428 vagas e apenas duas foram reservadas. Temos déficit, portanto, de 86 vagas na UFG. Unimos os grupos de ativismo e de produção acadêmica, juntamos os dados dessa pesquisa, produzimos um documento e entregamos à reitoria, alertando para o problema. A reitoria mudou sua forma de interpretar a lei. Em 2019, no total de 59 vagas oferecidas, 12 foram reservadas para candidatos negros. Em um edital reservamos mais vagas do que em 4,5 anos de lei”, revelou. “O déficit é de mais de três mil vagas. Isso se chama reparação e é preciso sempre refletir sobre esse tema”, considerou Luiz Mello.

Racismo estruturante no Brasil

A docente da Uneb e diretora do Andes-SN apresentou e justificou a publicação dos materiais elaborados pelo Grupo de Trabalho de Políticas de Classe, Questões Étnicorraciais, Gênero e Diversidade Sexual (GTPCEDS) do Andes-SN. Disse que a esquerda demorou demais a pautar o debate antirracista, antilgbtfóbico, antimachista.

Reafirmou a necessidade de debater o tema no âmbito acadêmico, partindo da certeza de que o racismo é condição estruturante da sociedade brasileira. "O projeto eugenista e colonizador deu certo neste país", afirmou.

Caroline de Araújo Lima reafirmou a necessidade de se pensar as políticas públicas que estão em curso como conquistas históricas, a exemplo da Lei 12990. "Não podermos perder o pouco que conquistamos", considerou. 

Disse ainda que a ausência de docentes negros nas universidades e institutos federais tem impacto direto no currículo acadêmico, na bibliografia dos cursos, cujos autores são, na maioria das vezes, de perfil eurocêntrico.  Defendeu a importância de se apresentar autores como Leila González e Milton Santos, por exemplo; a trajetória e o legado deles. "Ainda que demore, precisamos ter disciplinas que abordem questões étnico-raciais em todos os cursos", defendeu.

Afirmou que o país ainda precisa aprender a pensar a sua identidade étnicorracial, ainda associada por muitos dos privilegiados a determinados estigmas como o da marginalidade, pobreza e afins.

Criticou o fato de o IBGE até os dias de hoje ainda adotar a nomenclatura "pardo" em pesquisas. "Pardo é papel", disse sem negar o impacto do colorismo no país. "Sabemos que uma abordagem policial é diferente para pessoas negras com o tom de pele mais claro e de pele mais escura. Em Salvador, quanto mais próximo à periferia, maior é o número de blitz policiais", analisou.

O debate e as ações contra o racismo, como disse Caroline, são urgentes. "Combater as opressões é tarefa de um sindicato classista, como o Andes", afirmou ao convidar a leitura da cartilha elaborada pelo sindicato nacional e disponível também em versão online.

Da Redação da ADUFF | Por Aline Pereira
Foto: Luiz Fernando Nabuco/Aduff-SSind.

 

Additional Info

  • compartilhar: