Set
13
2019

Estudantes analisam documentos da ditadura e atestam impacto da repressão no cotidiano da UFF

A pesquisadora Ludmila Gama Pereira participou do primeiro dia da atividade que conta com o apoio da Aduff. Na quarta-feira (19), o docente Rafael Vieira (Iear/UFF) vai debater o livro editado em 2018 pela Aduff - “Atitudes de Rebeldia" - que será distribuído.

"Nenhuma Ilha de Liberdade: Vigilância, controle e repressão na UFF" é o nome da atividade organizada pelo Centro Acadêmico de História - UFF, em parceria com os Centros Acadêmicos (CA) e Diretórios Acadêmicos (DA) do ICHF, Instituto de História, Instituto de Ciências Humanas e Filosofia e a Aduff-SSind. A primeira etapa aconteceu na quinta-feira (12), no campus do Gragoatá, com a participação da professora e pesquisadora Ludmila Gama Pereira, cuja premiada tese de doutoramento aborda a repressão na Universidade Federal Fluminense entre os anos de 1964-1987.

O objetivo da iniciativa, como destacaram os observadores, é resgatar o passado da Universidade em tempos de obscurantismo e homenagear aqueles que foram perseguidos, presos, torturados e mortos pela ditadura. Entre eles, por exemplo, Fernando Santa Cruz – que dá nome ao Diretório Central dos Estudantes da UFF – e Ivan Mota Dias, respectivamente alunos dos cursos de Direito e de História à época em que foram presos e executados pelo sistema.

De acordo com Lucas Onorato, do Centro Acadêmico de História, é uma forma de reagir às agressões do presidente Jair Bolsonaro, que recentemente desrespeitou a memória de Fernando Santa Cruz. “Foi uma agressão a todos nós”, afirmou o discente à reportagem. “Importante resgatar a memória do que foi a ditadura na UFF e mostrar para a sociedade que há uma disputa em torno da narrativa sobre o que foi este período histórico”, conta. É uma forma de reagir àqueles que desejam negar a História, minimizar os fatos e os registros documentais do período marcado por muitas faces de violências e de silenciamento.

O evento na UFF ocorreu poucos dias após Carlos Bolsonaro, um dos filhos do presidente Jair Bolsonaro, ter publicado nas redes sociais que “por vias democráticas a transformação que o Brasil quer não acontecerá na velocidade que almejamos”. A declaração provocou críticas de autoridades e de representantes de movimentos sociais, populares e sindicais, sobretudo porque a família Bolsonaro já evidenciou publicamente em diversas ocasiões simpatia pelo regime ditatorial que vigorou no país por 21 anos. Quando deputado Federal, Jair Bolsonaro, à época da votação do impeachment de Dilma Rousseff, dedicou seu voto favorável à deposição da então presidente ao torturador da ditadura, ao coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, ex-chefe do DOI-CODI, a quem chamou de ‘herói nacional’.

Recentemente, na noite do último dia 6, o prédio do Diretório Central dos Estudantes (DCE-Fernando Santa Cruz), no Centro de Niterói, teve um princípio de incêndio localizado rampa de acesso ao imóvel, enquanto transcorria uma festa de reencontro de ex-estudantes da UFF e antigos militantes da entidade. Ninguém ficou ferido, mas houve muita tensão. Suspeita-se de que possa ter sido provocado com intenções criminosas e não resultado de um acidente. 

Lembrar e resistir

Ludmila Gama Pereira - docente da rede estadual do RJ e doutora em História Social pela UFF com a tese “Nenhuma ilha da liberdade: Vigilância, Controle e Repressão na Universidade Federal Fluminense (1964-1987)” – apresentou alguns documentos que trabalhou durante o doutoramento. Na densa pesquisa, ela enfatiza e comprova com documentos variados que estudantes e professores foram perseguidos, cassados, torturados e mortos, atestando que nenhuma instituição pública, à época, esteve livre dos olhares dos censores e dos carrascos da ditadura.

Ludmila apresentou parte de tais documentos e discutiu com os presentes, estudantes que lotaram a pequena sala 424 do bloco O, os efeitos da ditadura na Universidade Federal Fluminense. Expôs a importância em rememorar a história da UFF e a resistência de parte da comunidade àquele momento de repressão, ressaltando a riqueza dos arquivos da Universidade Federal Fluminense sobre o período, que revela a atuação da Agência de Segurança e Informação no ambiente acadêmico. De acordo com a pesquisadora, talvez seja um dos maiores que restaram acerca da atuação do Serviço Nacional de Informações (SNI) nas Universidades.

A ASI-UFF integrava o SNI, criado pela ditadura nas autarquias para estabelecer a vigilância, o controle e a repressão nas instituições públicas.  Alguns desses documentos estão digitalizados no Anexo da publicação e explicitam as intrínsecas relações entre os gestores da Universidade e o assessor da SNI.

Um deles, por exemplo, mostra a perseguição a “Diálogo”, livraria e editora que funcionava na Lara Vilela e na Reitoria, sob os cuidados do professor Aníbal Bragança.  “Era um espaço importante de circulação de ideias”, contou. “Mas, após publicar “O Estado e a Revolução” (livro do Lenin), foi fechada por ordem do MEC. Toda a documentação vai contra a ideia de que a UFF foi uma ‘ilha de liberdade’ no período”, revela Ludmila.

Contou também o caso de diversos professores da Economia que foram demitidos em 1974 por terem assinado um documento solicitando a soltura do docente Ailton Albuquerque, preso na rua pelo regime militar. “São 10 mil documentos; tem muita coisa para estudar ainda”, salientou a docente, indicando que o tema está longe de se esgotar.

Debates e homenagens no dia 19

No dia 19 (quinta-feira), a partir das 17h30, acontece mais uma etapa da atividade, no Bloco N (Campus Gragoatá). Haverá a inauguração de monumento em homenagem aos mortos pela ditadura militar na UFF, com presença da ADUFF, DCE, direção do IHT, ICHF, CA's e DA'S do ICHF e ex-estudantes da instituição (1964-1985).

Em seguida, haverá mesa com a presença do professor da UFF em Angra dos Reis, Rafael Vieira, que como membro do Grupo de Trabalho local de História do Movimento Docente (GTHMD) da Aduff-SSind, participou da organização do livro “Atitudes de Rebeldia: as formas da universidade tecnocrática, o aparato vigilante/repressivo e as resistências dos professores da UFF durante a ditadura", publicado seção sindical em 2018. A publicação será distribuída gratuitamente aos participantes.

Estão previstas ainda as participações de Andrea Penna, integrante do DCE na década de 70 e militante do MR8, e de Maria Auxiliadora Santa Cruz, irmã de Fernando Santa Cruz.

Da Redação da ADUFF | Por Aline Pereira
Foto: Luiz Fernando Nabuco

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