Jul
11
2019

Vítimas de atropelamento intencional reafirmam que a rua é o palco de lutas da classe trabalhadora

Há quase 30 dias, o motorista Andre Luiz da Cunha Serejo jogou o carro Fox, placa LSB-1696, em cima dos manifestantes que, numa sexta-feira de Greve Geral, protestavam contra a reforma da previdência e os cortes em educação pública. Duas docentes universitárias e alguns estudantes ficaram feridos. Elas se recuperam e reforçam a necessidade de o povo ir às ruas contra a retirada de direitos.

Faz quase 30 dias do atropelamento intencional durante ato público no Centro de Niterói, quando o motorista Andre Luiz da Cunha Serejo jogou o seu carro Fox, placa LSB-1696, em cima dos manifestantes que, numa sexta-feira de Greve Geral, protestavam contra a reforma da previdência e os cortes em educação pública.

Entre os feridos estavam estudantes e as professoras Kate Lane Paiva e Marinalva Oliveira, que atuam, respectivamente, na Universidade Federal Fluminense e na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Ambas precisaram de atendimento médico, tendo sido mais grave o caso da docente da UFF - já que as rodas do carro de André passaram por cima das duas pernas dela. No último dia 8, Kate foi muito aplaudida pelos colegas ao chegar, com dificuldades e com o amparo de muletas, para participar da assembleia docente.

Durante a atividade, em homenagem às vítimas do atropelamento, foi lida a poesia “Dissidência ou a arte de dissidiar”, de Mauro Iasi - docente da UFRJ. "É tempo de rebeldia. São tempos de rebelião. É tempo de dissidência. Já é tempo dos corações pularem fora do peito. Em passeata, em multidão" - dizem alguns trechos do poema.

"Sou teimosa e não vou sair das ruas", diz Kate

Inicialmente, logo após o atropelamento, Kate recebeu um primeiro diagnóstico de contusão no joelho, apesar do inchaço na perna e na panturrilha. "Fizeram um raio X, viram que não tinha nenhuma fratura aparente e me liberaram, mas minha perna estava extremamente inchada. O primeiro final de semana após o atropelamento foi muito ruim - com muitas dores e sem posição para dormir", explica.

Apesar da medicação oral, que abrangia analgésico e anti-inflamatório, a perna da professora continuava inchada, dolorida e roxa. Novos exames indicaram a extensão da lesão - que passa por uma flebite, algumas pequenas fraturas na extremidade da tíbia e do joelho, numa área mais próxima a cartilagem (exibidas somente pela ressonância) e a suspeita de uma trombose, verificada por exame de sangue, e tratada com anticoagulantes.

Kate segue afastada do trabalho pelos próximos 90 dias e em tratamento com fisioterapia. "Minha panturrilha está sem movimento porque está sem força, não consigo fazer 'calcanhar e ponta' e há suspeita de laceração do músculo. Os próximos 90 dias são cruciais no processo de recuperação, de forma que seja possível descartar cirurgia", explica.  "Tudo isso me abalou psicologicamente também; fiquei fragilizada porque não imaginava que isso pudesse acontecer", complementa.

A professora de Artes do Coluni-UFF hoje conta com o amparo de familiares, amigos e da seção sindical para dar conta de algumas questões que envolvem as tarefas domésticas cotidianas, o cuidado com os filhos e as despesas médicas.  "Tive muita sorte porque poderia ter sido mais grave. Não é só uma contusão, tenho diversas lesões por conta do esmagamento e poderia ter morrido; fiquei embaixo do carro, e isso, para gente que está na rua, dá um abalo. O motorista está respondendo legalmente e defendo que ele tenha todos os direitos dele preservados. Não tenho ódio dele; ele é só a expressão material desse momento que a gente está vivendo, onde o próprio presidente da República diz que pode matar manifestante e que tem que eliminar a "ameaça vermelha". Como mulher, manifestante e comunista, é como se o próprio presidente dissesse que pode nos matar", considera Kate Lane. "Vamos ter que pensar em forma de proteção da nossa militância e uma certeza que tenho é que não vou sair da rua; sou teimosa e lá é nosso lugar de disputa política. Assim que estiver bem vou estar na rua e na luta. Não é um carro que vai tirar a nossa esperança. Mesmo com todo o terror, a gente tira força, levanta e continua", diz.

Disputa nas ruas

Marinalva Oliveira explica que passou 15 dias com muitas dores físicas devido a queda de costas no chão. "Tomei muitos remédios, mas no geral, agora, estou bem. No entanto, o emocional segue abalado. Nos confrontamos com uma forma de violência que sempre existiu mas que hoje é legitimada: a eliminação de qualquer pessoa que discorde do outro. Isso é um fascismo escancarado", analisa a professora, que é ex-presidente do Andes-Sindicato Nacional.

Segundo a docente, o ato deliberado do motorista ao avançar com o carro em cima dos manifestantes reverbera na política nacional e estadual que fomenta a cultura da intolerância, do ódio e da violência.

Para ela, o direito à rua também está em disputa. "Há certeza de que das ruas não sairemos; lá é que deveremos estar. Temos obrigação histórica, política, moral e social de continuar lutando para tentar garantir para às futuras gerações aquilo que as gerações antepassadas nos garantiram como direito. Lutamos pela vida e com a vida. Saí mais fortalecida e indignada de tudo o que está posto", considerou Marinalva.

Por Aline Pereira
Foto: Samuel Tosta/ Especial para a Aduff-SSind.

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