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Nov
13
2018

"Ebserh é desumana", diz docente em audiência pública no Hospital Antônio Pedro

Em documento à Procuradoria, reitor diz que hospital universitário pode fechar se empresa não cumprir os termos do contrato; Tarcísio Rivello, diretor da unidade e Superintendente da Ebserh, disse desconhecer envio desse ofício de fevereiro de 2018.

 

Uma audiência pública acalorada para discutir a relação entre o Hospital Universitário Antônio Pedro (Huap) e a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh) aconteceu em um auditório lotado, na tarde desta terça-feira (13), na referida unidade de saúde, em Niterói. Na plateia, muitos trabalhadores da UFF, entre professores e técnico-administrativos, terceirizados e celetistas da Ebserh, que se manifestaram ao longo do evento que transcorreu sob a condução da Câmara dos Vereadores de Niterói e do Sindicato de Trabalhadores em Educação da UFF (Sintuff).

A audiência foi motivada pelo teor do ofício 68/2018, assinado pelo reitor Sidney Mello, com data de 9 de fevereiro desse ano. O documento foi endereçado pela administração da UFF a Paulo Eduardo Neves Villar, procurador da Procuradoria Seccional Federal em Niterói. No entanto, apesar da gravidade e do interesse público no assunto, não foi publicizado com a comunidade universitária.

Pelo ofício, Sidney Mello afirma que há risco de o hospital universitário não mais conseguir garantir assistência à população, pois "o contrato com a Ebserh vem sendo desrespeitado em vários pontos, sendo os principais a reposição da força de trabalho, a reabertura de serviços e a ampliação de leitos".

O magnífico também lamenta, no documento mencionado, a omissão da Ebserh e do MEC no que tange ao comprimento do controverso contrato firmado entre a empresa e a universidade. O contrato foi firmado sob críticas de boa parte da comunidade acadêmica em 2016.

Diante da importância do tema, o reitor foi convidado para a audiência, mas não compareceu, sob a alegação de que está em viagem.

Revogação

A Aduff-SSind foi representada pelo professor Waldyr Lins de Castro, diretor da seção sindical, que defendeu a revogação do contrato com a Ebserh. De acordo com o diretor, a conjuntura nacional exige a unidade dos trabalhadores na luta pela manutenção dos serviços públicos. Ele lembrou que o presidente eleito já declarou que quer atingir a universidade pública.

Waldyr criticou a lógica empresarial que avança nas instituições públicas e lembrou que parte significativa da comunidade acadêmica alertou a administração central para os perigos da Ebserh.

"Precisamos estar unidos para fazer os enfrentamentos que virão", disse Waldyr, defendendo a revogação do contrato com a empresa que não toma a saúde humana como direito, mas sim pela ótica mercadológica.

"Promiscuidade público e privada"

Para o médico e professor Wladimir Tadeu, o reitor da UFF tem elementos suficientes para rescindir o contrato com a Ebserh, nos termos legais. Ele criticou o fato de Sidney Mello ter feito campanha pela Universidade alegando que não iria aderir a Ebserh, pouco antes de assumir o mandato (2014-2018). "Algum tempo depois estávamos lidando com a Ebserh na UFF; foi um estelionato eleitoral", disse.

De acordo com o expositor, o Ministério do Planejamento fez avaliação dessa empresa, considerando aspectos como transparência e governança da Ebserh. Ela foi muito mal avaliada, como revelou Wladimir. "O artigo primeiro da lei da Ebserh já indica que ela não deveria ser assinada por nenhum reitor. Já deixa claro que a Ebserh é empresa estatal de intervenção econômica, para prestação de serviço com finalidade lucrativa", disse o docente.

Para ele, ao contratar a Ebserh, a UFF perdeu a autonomia universitária. "O hospital sai da autarquia federal e é cedido para empresa pública de direito privado. Torna-se filial da Ebserh, como diz a lei", considerou o docente, alegando que a empresa não tem interesse humanitário. "Não há mais médicos, há gestores", criticou."Ebserh é desumana", disse o docente, que assinalou ainda que a relação entre a UFF e a empresa citada expressa certa “promiscuidade entre o público e o privado”.

Superintendente nega problemas

O professor Tarcísio Rivello disse que há falácias acerca do que envolve a Ebserh. Para ele, o hospital permanece como unidade referenciada e, portanto, não foi privatizado.

Citou dados como o aumento no número de atendimentos de 749 mil para 787 mil, considerando os anos de 2009 e 2017, respectivamente. Segundo o docente, há "falsas narrativas e o Huap se mantém 100% público". Ele ainda previu mais de 800 mil atendimentos em 2019 e afirmou que as pessoas têm que "parar de olhar pelo retrovisor".

"Aqui não tem dupla entrada: é 100% SUS; se assim não for, que ofereçam uma denúncia com nome e sobrenome", disse.

Para o professor, o hospital segue com atendimento humanizado, referenciado e organizado e se dá de forma transversal e horizontal. "Não gosto de escutar falácias, meu cérebro está endurecido. Hoje, o Antônio Pedro não tem cheiro de hospital", disse.

De acordo com Tarcísio, há um "efeito propagandístico forte" sobre o tema em questão. Entretanto, ele não explicou os motivos que levaram o reitor da UFF a enviar o ofício supracitado ao Procurador Paulo Eduardo Neves Villar dizendo que o Huap está sob risco se o contrato não for atendido pela empresa que hoje administra a unidade de saúde.

Após ser questionado pelo vereador Paulo Eduardo Gomes, o diretor do hospital também superintendente da Ebserh alegou não saber sobre o envio do ofício em questão à procuradoria.

"Duvido que o Sidney Mello tenha encaminhado esse ofício sem a sua anuência", disse o parlamentar.

Autonomia universitária

A professora Fátima Silansky, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, criticou o modelo da Ebserh e disse a autonomia universitária está ameaçada. Afirmou que, no atual contexto político e econômico, qualquer prática que acene à privatização e que ameace a autonomia universitária deve ser combatida, por ser perigosa.

A servidora Isabel Firmino, delegada de base do Sintuff e trabalhadora do Huap há 24 anos, criticou o processo de precarização da unidade e práticas de assédio moral que, segundo relatos, se tornaram piores após a implementação da Ebserh. “Não podemos ficar feliz por conseguir colocar lençol na cama [do paciente] e papel higiênico no banheiro. Querem nos obrigar a viver de esmola. A gente não pode se contentar com menos”, disse. Ela disse que as obras no ambulatório que não foram feitas pela Ebserh, mas sim com aportes financeiros do Programa Nacional de Reestruturação dos Hospitais Universitários Federais (Rehuf).

“É uma gestão do medo. Estão todos cabisbaixos. As pessoas não estão suportando a carga do trabalho; pacientes sofrem porque não têm direcionamento para o problema dele. Hoje, fala-se em alta rotatividade de leito. O que é isso? Hoje, nos jogam um contra os outros. Ou nos unificamos ou vão acabar com nosso hospital”, afirmou Isabel, fazendo menção à divisão entre as três categorias de trabalhadores da unidade: terceirizados, os profissionais contratados via seleção da Ebserh e os servidores submetidos ao regime jurídico único.

“É o reitor quem está dizendo que a Ebersh não serve mais. Ele tem como acabar com esse convênio. E ele pode fazer isso. Poderíamos ser o primeiro hospital universitário a colocar a Ebserh para fora”, considerou.

Para o docente Wladimir Tadeu, quem conhece a realidade do hospital sabe que a época áurea dele não é a de agora. “É justamente naquele tempo, o do retrovisor – quando não havia filas enormes na porta, havia ambulâncias, ninguém ficava sem ser atendido e a emergência não estava fechada. Não tinha portão que fechava às 22h e abria às 7h. Hoje, se alguém for atropelado aqui na porta não será atendido”, denunciou.

Quem foi

A mesa da audiência pública foi composta pelo vereador Paulo Eduardo Gomes, que preside a comissão de saúde da Câmara em Niterói; pela professora Fátima Silansky (UFRJ); Wladimir Tadeu (do Huap e ex diretor da Aduff); Pedro Rosa e Isabel Firmino (pelo Sintuff); por um defensor público e pelo professor Tarcísio Rivello - diretor do Hospital Universitário Antônio Pedro há mais de uma década e atual superintendente da Ebserh na UFF. A vereadora Talíria Petrone (PSol) também esteve presente. O prefeito de Niterói, Rodrigo Neves, e a secretária de Saúde de Niterói foram convidados mas não compareceram.

Da Redação da Aduff-SSind | Por Aline Pereira
Fotos: Luiz Fernando Nabuco/Aduff

 

 

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