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Set
18
2018

Parecer jurídico mostra o que diz a legislação sobre o servidor e a eleição

 

Legislação estabelece restrições, mas não proíbe manifestação de opinião do servidor fora do horário de trabalho e não pode ser usada como censura

 

DA REDAÇÃO DA ADUFF

A legislação que rege a conduta do agente público durante o período eleitoral não justifica revistas em "mochila, pasta ou item de propriedade particular" em busca de materiais de campanha eleitoral. Estes procedimentos podem configurar abuso de autoridade. É o que afirma parecer elaborado pela equipe que assessora juridicamente a Associação dos Docentes da UFF (Aduff-SSind), assinados pelos advogados Carlos Alberto Boechat Rangel e Júlio Canello.

O tema ganhou mais atenção nos últimos dias diante da criticada atuação de fiscais do Tribunal Regional Eleitoral, acompanhados de policiais militares e, posteriormente, de um juiz eleitoral, no campus da Universidade Federal Fluminense em Campos dos Goytacazes. Professores e estudantes foram ameaçados de prisão e houve revista de mochilas em busca de materiais de propaganda eleitoral.

A lei, no entanto, não proíbe que o agente público, e tampouco um estudante, carreguem material de campanha eleitoral entre seus pertences, mesmo estando dentro de um campus universitário público. "O servidor não está proibido de portar, privadamente, adesivos, panfletos, material impresso ou itens de campanha de um modo geral. O que a lei e o regulamento proíbem é a distribuição desse material durante o trabalho", esclarece o parecer da assessoria jurídica.

Os advogados observam, ainda, que a legislação se reporta especificamente ao que classifica como 'agente público', categoria na qual não se enquadram os estudantes - exceto em situações especiais nas quais estão atuando como estagiários.

A Aduff-SSind avalia que a legislação eleitoral hoje em vigor e as normatizações que estão sendo colocadas em prática por administradores em certos locais acabam sendo restritivas ao ponto de tentar inviabilizar o debate democrático em torno de ideias e pensamentos políticos e ideológicos, algo inerente à construção da vida acadêmica. No entanto, ressalta que mesmo dentro dos limites da lei, é inadmissível que ocorram episódios nos quais prevaleça o abuso de autoridade e a tentativa de supostamente se apoiar na legislação para reprimir movimentos políticos, notadamente os de caráter mais progressista e de esquerda.

O parecer técnico foi solicitado com o objetivo de contribuir na compreensão do que é permitido ou negado ao agente público com relação ao processo eleitoral. O parecer foi elaborado com base nas previsões da Lei 9.504/1997 (estabelece normas para as eleições) e da Resolução 23.551/2018 (dispõe sobre propaganda eleitoral, utilização e geração de horário gratuito e condutas ilícitas em campanha eleitoral nas eleições), além de informações compiladas pela Advocacia-Geral da União no manual "Condutas Vedadas aos Agentes Públicos Federais em Eleições - 2018". A seguir, alguns tópicos centrais:

Definição de agente público

A definição de agente público está contida no §1º do art. 73 da Lei 9.504/97: trata-se de quem exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nos órgãos ou entidades da administração pública direta, indireta, ou fundacional. No que tange a universidade, portanto, é fácil depreender que estão compreendidos nesta figura jurídica todos servidores públicos estatutários - técnico-administrativo ou docentes - além de ocupantes de cargos ou funções comissionadas, emprego público e eventuais contratados.

Estudante não é agente público

O conceito não abrange os estudantes, independente do curso ou nível. O parecer recomenda, no entanto, prudência ao considerar alunos que também sejam estagiários. Para estes, durante a realização de estágios ou atividades correlatas, é possível a equiparação à condição do servidor durante seu expediente laboral.

Condutas vedadas aos servidores da UFF em período de campanha eleitoral

- veiculação de propaganda eleitoral em bens que pertencem ao poder público, "inclusive pichação, inscrição a tinta e exposição de placas, estandartes, faixas, cavaletes, bonecos e assemelhados"; a legislação, no entanto, exclui da proibição o uso de "adesivo plástico em automóveis, caminhões, bicicletas, motocicletas e janelas residenciais, desde que não exceda a 0,5 m2 (meio metro quadrado)". Ainda que circule dentro do campus universitário ou eventualmente fique, por tempo parcial, em estacionamento lá situado, é permitido o uso de adesivos em automóveis particulares. Por outro lado, veículos oficiais, de propriedade da UFF e do Poder Público, não podem conter adesivo ou transportar material de campanha.

- ceder ou usar, em benefício de candidato, partido político ou coligação, bens móveis ou imóveis pertencentes à administração direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, ressalvada a realização de convenção partidária;

- usar materiais ou serviços, custeados pelos governos ou casas legislativas, que excedam as prerrogativas consignadas nos regimentos e normas dos órgãos que integram;

- ceder servidor público ou empregado da administração direta ou indireta federal, estadual ou municipal do Poder Executivo, ou usar de seus serviços, para comitês de campanha eleitoral de candidato, partido político ou coligação, durante o horário de expediente normal, salvo se o servidor ou empregado estiver licenciado;

- realização de comício em bem imóvel público;

- utilização de bens da repartição, tais como celulares e computadores, para fazer propaganda eleitoral;

- uso de gráfica oficial;

- remessa de correspondência institucional com conotação de propaganda eleitoral;

- realização de atividade de campanha por servidor público durante horário de expediente normal.

Penalidades

O descumprimento de tais regras, além de implicar a suspensão da conduta vedada, poderá resultar na aplicação de multa - a partir de R$ 5.320,00 - e outras sanções administrativas ou disciplinares, inclusive por improbidade.

Legislação não impede servidor de se manifestar

A legislação não proíbe o servidor de fazer campanha ou manifestar sua preferência político-eleitoral. Desde que esteja fora do seu horário de trabalho e não utilize de recursos da instituição, incluindo imóveis, o servidor pode atuar em favor da sua candidatura de preferência, buscar votos, distribuir material. Fora das condutas vedadas pela Lei e Resolução, o cidadão, ainda que agente público, é livre para manifestar suas preferências e buscar o convencimento de outras pessoas. A liberdade de opinião e expressão são asseguradas pela lei e não dependem de autorização.

Uso de adesivo na instituição pública

Tema sensível, contudo, diz respeito à utilização de adesivos individuais dentro do ambiente funcional e durante o horário de trabalho. Em que pese ser manifestação individual de preferência política-eleitoral, sem conter, necessariamente, a intenção de "pedir votos", cumpre ter cautela quando a realidade laboral envolve atendimento ao público de modo amplo. Nesses casos, é possível que a Justiça Eleitoral interprete que a prestação de atendimento ao público por servidor visualmente identificado com candidaturas, partidos ou coligações concorrentes ao pleito representem uma "conduta tendente a afetar a igualdade de oportunidade entre candidatos", o que é vedado. Essa cautela, contudo, não tem o condão de impedir que, em espaços externos, fora de gabinetes, laboratórios, salas de aulas, o servidor manifeste sua identidade política, identificação partidária e preferência eleitoral visualmente.

Portar materiais de campanha

Desde que não utilizados como adorno durante o efetivo trabalho, e não sendo distribuídos no expediente, não existe vedação alguma para que o servidor público leve consigo, no bolso, mochila, pasta ou item de propriedade particular, material de campanha. O servidor não está proibido de portar, privadamente, adesivos, panfletos, material impresso ou itens de campanha de um modo geral. O que a lei e o regulamento proíbem é a distribuição desse material durante o trabalho. Seria notadamente abusivo ou mesmo absurdo, por exemplo, exigir do docente ou técnico administrativo que tenha panfletos ou adesivos em seus pertences a retirada desse material para ingressar no campus universitário. Do mesmo modo, realizar revistas em mochilas e outros bens privados de servidores pode ser considerada desproporcional e abusiva.

Poder de polícia da Justiça Eleitoral

É a própria Justiça Eleitoral, com seus juízes e pessoal de apoio, quem possui a responsabilidade pela fiscalização das campanhas eleitorais. A Justiça Eleitoral pode ser provocada, tanto pelo Ministério Público, quanto pelo cidadão em geral, através de representações formais ou notícias de irregularidades eleitorais. O artigo 41 da Lei 9.504/97, em seu parágrafo 1º, atribuiu aos juízes eleitorais ou aos designados pelos TREs o poder de polícia sobre a propaganda eleitoral. Por sua vez, conforme o §2º, esse poder não pode representar qualquer tipo de censura prévia, mas se restringe às providências necessárias para inibir práticas ilegais. O caput do mesmo artigo resguarda o direito ao exercício da propaganda eleitoral, que, se exercida nos termos da legislação, não poderá ser objeto de multa nem cerceada sob alegação do exercício do poder de polícia.

Abuso de autoridade

Eventuais medidas, por parte da Justiça Eleitoral, que extrapolem as atribuições de fiscalização e de inibição de condutas vedadas mostram-se abusivas, passíveis de correição. As práticas concretas não podem interferir em atividades lícitas do cidadão. Revistas indiscriminadas, restrição à circulação de pessoas, entre outras medidas, configuram, em determinados contextos, abuso de autoridade por parte da Justiça Eleitoral. Fora das condutas vedadas pela Lei e Resolução, o cidadão, ainda que agente público, é livre para manifestar suas preferências políticas. O cidadão que sofrer abuso de autoridade pode apresentar uma representação à Corregedoria Regional Eleitoral, expondo os fatos ocorridos e indicando as ilegalidades cometidas pela Autoridade Pública denunciada, sem prejuízo de outras medidas que possam ser tomadas na via administrativa ou judicial.

DA REDAÇÃO DA ADUFF
Por Hélcio Lourenço Filho

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