Mai
25
2018

Em lançamento de livro sobre a ditadura na UFF, docentes debatem memória, luta e resistência

1° Lançamento aconteceu na terça (22), na UFF de Rio das Ostras. “Atitudes de Rebeldia” também será lançado em Niterói no dia 7 de junho, durante atividade referente aos 40 Anos da ADUFF-SSind; evento acontece a partir das 17h, na sede da seção sindical

"Qual é a função de o sindicato ter um Grupo de Trabalho de História do Movimento Docente e realizar uma pesquisa sobre a ditadura na UFF e a resistência dos professores na universidade? Certamente não é uma questão de curiosidade. A memória também faz parte da luta social. Recuperar as histórias, os passos que a categoria deu no sentido de constituição e montagem da associação docente demonstra que somente com a nossa organização, dos técnicos e dos estudantes é possível construir resistências e lutar por conquistas para a educação brasileira e para a educação superior no Brasil".

A conclusão é de Wanderson Melo, professor da UFF de Rio das Ostras e cordenador do trabalho de pesquisa “Memórias da Ditadura na UFF”, que resultou na publicação do livro “Atitudes de Rebeldia: as formas da universidade tecnocrática, o aparato vigilante/repressivo e as resistências dos professores da UFF durante a ditadura", lançado na tarde de terça-feira (22), na UFF de Rio das Ostras, durante a VII Semana de Serviço Social.

Com 303 páginas e edição inicial de mil exemplares, o livro é fruto do relatório final do projeto, em pesquisa feita por Rafael Vieira (hoje professor do curso de Políticas Públicas da UFF de Angra dos Reis), e parte integrante do Grupo de Trabalho local de História do Movimento Docente da Aduff (GTHMD). Wanderson e Rafael dividiram a mesa de lançamento na UFF de Rio das Ostras e falaram sobre o trabalho que teve início na gestão ‘Mobilização Docente e Trabalho de Base (biênio 2012-2014)', da qual Wanderson fazia parte. O projeto também se alinha às resoluções congressuais do Andes-SN de construir atividades voltadas a investigar as repressões sobre professores durante a ditadura, as formas de resistência existentes, além de analisar os impactos disso nas universidades e na política educacional para o ensino superior hoje.

“Embora o presente projeto tenha procurado dialogar criticamente com alguns documentos produzidos pelas Comissões da Verdade e tenhamos procurado partilhar informações sobre a busca por arquivos e relatos do período, procuramos conservar nossa autonomia na construção das análises, compondo, assim, uma investigação, em certos pontos, com diferenças estruturais da leitura oficial”, lê-se na Introdução do livro.

Memória, verdade e justiça

"O projeto vem no bojo de um conjunto de lutas que se expressavam por memória, verdade e justiça, reivindicação história do ANDES-SN, que se consituti na luta contra a ditadura e tem expressões variadas dependendo do tempo, sobretudo pelo fato de o Brasil ser um dos casos mais expressivos de uma transição feita pelo alto. Os poderes atrelados aos militares e aos empresários que deram suporte à ditadura brasileira operaram no sentido de preservar os alicerces de poder anteriormente posto, pelo menos em linhas fundamentais. A transição contemplava algumas reivindicações populares, mas evitava que o ascenso das lutas dos trabalhadores, das mulheres, dos negros e da população LGBT radicalizasse o processo, no período que convencionou-se chamar de Nova República", ressaltou o professor Rafael Vieira, no debate de lançamento.

De acordo com Rafael, essa transição particular do processo brasileiro fez com que não se iniciasse logo após o término da ditadura no país uma apuração do que tinha acontecido durante o período, como ocorreu em outros países da América Latina, como Argentina e Uruguai, impossibilitando uma tentativa de acerto de contas com o passado. Em 2013, o 32° Congresso do Andes-SN, realizado no Rio de Janeiro, aprovou a criação de uma Comissão da Verdade do Sindicato Nacional - pautada pela independência em relação às ações oficiais de Estado e dos governos -, a fim de investigar fatos ocorridos durante a ditadura empresarial-militar contra docentes universitários, entre 1964 e 1985.

 "O trabalho começou como uma tentativa de recolher esses relatos e no decorrer dele fomos tendo notícias da existência na UFF de um conjunto de arquivos que ninguém jamais havia tido acesso. A história da nossa transição tem um pouco a ver com a história desses arquivos. Os esforços para abrir esses documentos na UFF começaram nos anos 80, mas só em janeiro de 2014 tivemos acessos a eles pela primeira vez", contou o docente e pesquisador do projeto. 

Rafael retoma a defesa de um projeto de apuração autônoma, "sem preocupação com arranjos de poder estabelecidos na Comissão Nacional da Verdade". "A Comissão de 2013 tem limitações muito evidentes. Além dos trechos sobre a universidade serem limitados, existe um silenciamento muito grande, por exemplo, em relação à repressão aos movimentos de favelas e periferia, aos movimentos agrários e indígenas. A apuração foi insuficiente depois de 30 anos sem querer mexer no passado", criticou.

No debate, o docente também problematizou o recorte restrito do relatório produzido pela Comissão Nacional da Verdade. "O relatório fica muito focado nas violações dos direitos individuais. Houve tortura, morte, perseguição? Sim, e é importante que se diga sempre. Mas também é importante ampliar a questão e fazer a pergunta de porque esse tipo de coisa acontece. A repressão mobilizada pela ditadura empresarial militar tinha como objetivo conter as lutas sociais que vinham em ascensão nos anos 50 e 60 e estabelecer um conjunto de transformações do capitalismo brasileiro", afirmou.

Agência de Segurança e Informação (ASI-UFF)

A documentação citada por Rafael, fundamental para o projeto de pesquisa de "Atitudes de Resistência", é referente às atividades da Agência de Segurança e Informação na Universidade. A ASI-UFF integrava o Serviço Nacional de Informações (SMI), criado pela ditadura nas autarquias para estabelecer a vigilância, o controle e a repressão nesses espaços. No país, em apenas três universidades esses documentos foram parcialmente preservados. Na UNB, na UFMG e na UFF. O acervo da UFF - aberto recentemente - dá conta de mais de 10 mil documentos, que correspondem a uma parcela da totalidade correspondente às atividades do órgão na Universidade. Entre os documentos, apenas os confidenciais e reservados; os secretos e ultrassecretos - justamente os mais sensíveis, que diziam respeito aos acordos entre a universidade, empresas estrangeiras e organizações estrangeiras, entre outros temas - foram desaparecidos.

Nas universidades, em geral, esses órgãos eram comandados por professores e atrelados às reitorias. Na UFF, dois professores ficaram mais conhecidos por operar esse aparato repressivo na Universidade. O professor José Francisco Borges de Campos, da Faculdade de Matemática, que operou a ASI-UFF entre 1971 e 1974, e o professor Almiro Ferreira de Souza, da Faculdade de Odontologia, que coordenou o órgão entre 1975 e 1979. A partir de 1979, o reitor da UFF assumiu a tarefa de coordenar os trabalhos da ASI, responsável não só por vigiar, mas por estabelecer a classificação de quem podia ou não ser contratado pela Universidade e de quais atividades podiam ou não podiam ser realizadas dentro do espaço universitário.

"Os arquivos mostram de forma muito nítida que antes de haver congressos estudantis na universidade ou eventos acadêmicos que eles pudessem classificar como subversivos, o reitor da UFF, o vice-reitor e o assessor da SMI se reuniam na sala da ASI - que era ao lado da reitoria - e discutiam o que fazer. Dentro desse 'o que fazer', chamar a polícia federal ou militar. Vários documentos mostram esses atores discutindo sobre onde vão ficar os carros de polícia na frente da universidade, como a polícia vai se distribuir no campus. Esses detalhes são contados no livro", ressalta Rafael. Alguns desses documentos estão digitalizados no Anexo da publicação.

Repressão e resistência

Também de acordo com a documentação, 37 docentes da UFF foram cassados durante a ditadura empresarial militar no Brasil. Wanderson ressalta, entretanto, que os dados obtidos através dos arquivos da ASI-UFF não estão no relatório publicado e disponibilizado na internet pela Comissão Nacional da Verdade oficial. "O relatório final não tem os dados consolidados da UFF porque a reitoria não os enviou por uma série de fatores, mas certamente mais de mil docentes foram perseguidos na universidade", relata.

"Depois do golpe de Estado em 1964, nas universidades brasileiras, os docentes com engajamento maior e que não eram tão conhecidos sofreram demissões e foram afastados. Outros docentes com mais expressão social e com trabalhos mundialmente reconhecidos foram aposentados compulsóriamente, como foi o caso de Florestan Fernandes, na USP. O espaço da universidade era considerado pelos militares como um espaço de organização subversiva. A tentativa era a de cercear a crítica dos que não concordavam com a ditadura, com perseguição e repressão da comunidade universitária e até com assassinatos dentro da universidade. Obviamente a universidade não era um espaço simplesemente da crítica da ditadura, também existia quem a defendesse, mas ela foi uma importante plataforma de construção e de divulgação de um movimento que reivindicava democracia", contou no debate.

Para Wanderson, um dos sentidos de investigar a luta dos trabalhadores docentes na ditadura é fazer a ligação de que sem ela não haveria carreira docente. "A ideia de uma carreira docente não existia no período militar, foi uma construção dos próprios professores, consolidadas na Constituição de 1988, no mesmo período em que o ANDES - antes associação nacional dos docentes - vira sindicato nacional e cumpre um papel decisivo nesse processo. Passado o período da ditadura, um professor universitário, um dos mais importantes líderes sindicais do país e uma ex guerrilheira assumiram a presidência da república. Em todos esses governos foi preciso enfrentar políticas de privatização da universidade, de desestruturação da carreira docente e de expansão precarizada da universidade. De modo que desde o período da ditadura até esse momento do governo golpista e ilegítimo de Temer, nunca se pode abrir mão do movimento independente, crítico e autônomo dos professores universitários", finalizou.

Também para Rafael, a preocupação com o passado está atrelada às preocupações do presente, tanto em relação à unviersidade quanto fora dela. "A gente convive com um quadro contemporâneo de ascensão de movimentos atrelados ao ‘Escola Sem Partido’, que retoma um tipo de leitura da realidade daqueles antigos defensores da educação moral e cívica que existia durante a ditadura - claro, com particularidades. A gente convive, por exemplo, com as tentativas contemporâneas de censura das disciplinas sobre o golpe, um processo que opera dentro da universidade, mas também fora dela. A universidade é importante porque dentro desse microcosmo a gente também pode identificar as linhas de permanência que vinculam os Fernandos Sandra Cruz aos Amarildos e aos desaparecidos dessa nossa democracia blindada e restrita que a gente vive hoje, em que as liberdades democráticas são cada vez mais atacadas, dentro e fora das universidades", concluiu.

DA REDAÇÃO DA ADUFF | Por Lara Abib

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