Fev
21
2018

Governo admite, em dia de protestos, não ter como votar reforma da Previdência

Após perder disputa da opinião da população sobre os dados reais da Previdência e o objetivo da reforma, Temer anuncia a suspensão da tramitação da PEC 287

 

A chuva que não chegou a ser a tempestade esperada ainda molhava os manifestantes que percorriam a av. Rio Branco, com destino à Cinelândia, na noite da segunda-feira (19), quando a notícia de que o governo anunciara a desistência de votar a reforma da Previdência começou a chegar, via redes sociais ou de boca em boca.

Em um dia marcado por protestos no Centro do Rio de Janeiro e em dezenas de cidades do país em defesa do direito à aposentadoria, o governo de Michel Temer reconheceu que não votará a reforma da Previdência, apresentada em 2016 como principal projeto de sua gestão e do chamado ajuste fiscal. A tramitação está oficialmente suspensa.

O governo admite não possuir os 308 votos necessários para aprovar a reforma no Plenário da Câmara dos Deputados 440 dias após o envio da Proposta de Emenda Constitucional 287/2016 ao Congresso Nacional e passados três dias de o presidente Temer assinar decreto de intervenção federal na área de segurança do Estado do Rio de Janeiro.

O decreto, aprovado pela Câmara dos Deputados na noite da própria segunda (19), por 340 votos a 72, impede a votação de emendas constitucionais, de acordo com o que determina a Constituição Federal. Inicialmente, o governo sustentava que o decreto poderia ser suspenso e depois reeditado para que a reforma fosse votada, mas abandonou essa visão, alegando ter consultado informalmente ministros do Supremo Tribunal Federal.

Impopular

A alta impopularidade da proposta acabou se constituindo em fator decisivo para que a reforma não fosse votada. Nesse aspecto, a participação dos movimentos sindicais e sociais na campanha em defesa do direito à aposentadoria pode ser entendida como essencial. “O governo desistiu porque ele não conseguiu os votos necessários. E ele não conseguiu porque a gente teve muita mobilização e a reforma da Previdência é muito impopular. Diante de tanta impopularidade, em um ano eleitoral, os parlamentares recuam”, disse a professora Eblin Farage, do Serviço Social na UFF. Presidente do Andes-SN, o sindicato nacional da categoria, ela participou do ato do Rio ao lado de outros docentes da UFF e de outras universidades, entre eles dirigentes da Aduff-SSind.

Parece evidente que outros fatores contribuíram para o insucesso do governo. Mas a campanha nacional, de certa forma unificada e ao mesmo tempo descentralizada, contra a reforma teve relevante papel para derrubar o discurso e a propaganda do governo de que a Previdência Social quebrará caso não seja reformada.

O Andes-SN e a Aduff participaram, desde antes mesmo do envio da PEC 287 ao Legislativo, dessa campanha construída dos mais variados modos: cartilhas, vídeos, textos, estudos, audiências públicas, paralisações, passeatas, marchas a Brasília e de uma greve geral. As pesquisas de opinião indicam que a imensa maioria da população rejeita a reforma, que tem apoio declarado de uma minoria inferior a 15% dos brasileiros.

Poucos dias antes do anúncio da desistência, feito pelo secretário de Governo, Carlos Marun, a impopularidade da PEC da Previdência e do presidente Temer ‘brincaram’ o Carnaval nos blocos de rua e escolas espalhados pelo país. Rejeição que ganhou no desfile da escola de samba Paraíso do Tuiuti, no Rio, momento emblemático e de repercussão nacional, com o presidente Temer caracterizado de vampiro e as críticas à reforma trabalhistas sendo levadas à avenida.

Ato no Rio

Na passeata realizada no Centro do Rio de Janeiro, ao final da tarde e início da noite da segunda-feira (19), os manifestantes voltaram a denunciar que as mudanças pretendidas pelo governo são, na realidade, uma tentativa de transferir enormes recursos dos trabalhadores aposentados para o mercado financeiro e os grandes bancos.

O ato também foi marcado por duras críticas à intervenção federal no Rio de Janeiro, que terá um general do Exército no seu comando. A medida foi classificada como farsa desassociada de uma preocupação real com a segurança. Muitos também a viram como uma cortina de fumaça para abafar a derrota do governo no caso da Previdência Social.

Militantes dos movimentos sociais denunciaram que o uso de mais violência para supostamente tentar conter os problemas da criminalidade é um erro – que resultará em mais repressão e morte para as camadas mais pobres da população, sobretudo a população negra e que vive nas favelas.

Mobilizações

Embora comemorada, a vitória do movimento em defesa dos direitos previdenciários ainda está sendo assimilada com cautela pelos movimentos contrários à reforma: primeiro, porque há muita desconfiança com relação ao governo; segundo, porque a luta em defesa da Previdência deve continuar e não está desassociada das mobilizações contra a reforma trabalhista e pelo fim do congelamento dos orçamentos dos serviços públicos das áreas sociais por 20 anos.

Essas duas reformas, já aprovadas por Temer, também afetam os direitos sociais, trabalhistas e previdenciários. Está em curso uma campanha nacional para revogá-las. “O nosso foco agora deve ser pela imediata suspensão dessa ação militarizada no Rio de Janeiro e pela revogação da Emenda Constitucional 95, inclusive [explorando o fato] de estarmos em ano eleitoral”, disse Eblin, assinalando que enquanto o congelamento nos orçamentos destinados aos serviços públicos e às áreas sociais persistir, a pressão para cortes de direitos e de conquistas em setores como educação, saúde e Previdência persistirá.

DA REDAÇÃO DA ADUFF  | Por Hélcio Duarte Filho

Fotos: Ato no Centro do Rio, na segunda-feira (19) - Luiz Fernando Nabuco/Aduff

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