Out
28
2017

É momento de se falar de luta e resistência popular, diz diretor de ‘Dez Dias que Abalaram o Mundo’

'Dez Dias que Abalaram o Mundo', encenada no Armazém da Utopia, celebra o centenário da Revolução Russa. Montagem vai até dia 30 e Aduff-SSind disponibiliza cem ingressos para sindicalizados. Luiz Fernando Lobo, que dirige e atua no espetáculo, diz que o levante dos trabalhadores russos de 1917 culminou com a mais democrática das revoluções. Para ele, a temática que tem legado histórico significativo e dialoga com os tempos atuais. Confira!

O diretor Luiz Fernando Lobo, um dos fundadores da 'Companhia de Ensaio Aberto', localizada no "Armazém da Utopia" (na Zona Portuária do Rio de Janeiro), recebeu a imprensa da Aduff-SSind e concedeu entrevista sobre o surgimento desse grupo de teatro político e ainda sobre a montagem da peça 'Os Dez dias que Abalaram o Mundo', que está em seus últimos dias de exibição, encerrando a temporada na próxima segunda-feira 30.

Durante a conversa, Lobo comentou sua aproximação com o teatro, o surgimento da 'Companhia de Ensaio Aberto' - que comemora 25 anos atuando em peças de interesse social  relevante - e ainda o processo de produção desse espetáculo, que, sem patrocínio, contou com financiamento solidário para contar os eventos que vão de 1905 a outubro de 1917, culminando com a Revolução Russa. Para Luiz Fernando Lobo, que dirigiu e atua na peça, o levante dos trabalhadores russos que pôs fim ao império czarista é a mais democrática das revoluções, tem legado histórico significativo e que dialoga com os tempos atuais, considerados tão obscurantistas, no cenário em que reformas que retiram direitos sociais, trabalhistas e previdenciários avançam. Celebrar o centenário da Revolução Bolchevique é um ato de resistência, assim como viver de teatro político no Brasil.

Os trabalhos que levariam à montagem do espetáculo fervilhavam à época do controverso processo de impeachment de Dilma Rousseff (PT), que alçou o vice Michel Temer (PMDB) à presidência, em 2016. “Tinha virado o espetáculo errado na hora errada; mas também o espetáculo certo na hora certa; é um momento de se falar de luta, de resistência e de participação popular. Sabíamos que teríamos um preço alto a pagar por isso, em todos os sentidos – financiamento, possíveis e eventuais boicotes – mas faz parte”, problematiza.

Luiz Fernando Lobo – que tem na obra do dramaturgo Bertolt Bretch (1898-1956) uma das suas fontes de inspiração – defende que a arte seja expressão da política e que o público – principalmente o segmento marginalizado – possa ter acesso a um trabalho de qualidade, com conteúdo histórico. Ao longo da entrevista, ele explica as razões pelas quais a peça de 2h30 é itinerante, com foco na narrativa e com inserção de imagens cinematográficas. “A peça é longa, mas apesar disso, acho que o público compreende as razões do tamanho do espetáculo, percebe que é exaustivo e cansativo, com as dificuldades e as idas e vindas da revolução”, diz durante a entrevista, dizendo que a peça não é condescendente. “Conseguimos ir à raiz mesmo. E o que nos favorece é saber que estamos falando para um público interessado no assunto”, complementa. Para ele é imprescindível o investimento da esquerda também no campo das ideias, para que o homem possa ter uma vida plena, que ultrapasse o “reino da necessidade”.

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"10 Dias que Abalaram o Mundo"
De 15 de outubro até 30 de outubro de 2017
Horário: Sexta, domingo e segunda às 19h. Sábado às 20h
Local: Armazém da Utopia ( Av. Rodrigues Alves, s/n - Armazém 6 - Santo Cristo, Rio de Janeiro - RJ)
Direção: Luiz Fernando Lobo
Duração:2h30min

*A Aduff disponibilizará 100 convites para o espetáculo; para adquiri-lo, o docente da UFF sindicalizado deve enviar e-mail para a secretaria da Seção Sindical (Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.),
informando o dia em que deseja assistir – tendo direito a um convite para si e um para o acompanhante que indicar

 

 

Confira a entrevista a seguir: 

 

Aproximação com o teatro

Luiz Fernando Lobo: Faço teatro desde garoto, só que era o teatro amador. Sou biólogo por formação, era pesquisador. Mas levava o teatro muito a sério, tinha um grupo amador e, em um determinado momento, percebi que não dava para levar as duas coisas com seriedade. Optei pelo teatro e larguei a profissão de pesquisa muito cedo. E aí passei a vida inteira trabalhando e estudando teatro. E a aproximação com a questão da esquerda foi uma coisa normal a partir de ter me tornado marxista. E a “Companhia Ensaio Aberto”, muito cedo, se assumiu como militante e como marxista. Isso é o que talvez não seja o mais normal, sobretudo no momento em que acontece, porque agora as pessoas estão tendo mais ousadia nesse tipo de posicionamento. Durante muitos anos, especialmente depois da ditadura, existiam alguns mitos. Um deles era o de que não se fazia mais teatro de grupo - o que hoje sabemos que era mentira - mas era uma forma do mercadão quase que desclassificar quem estava buscando formas alternativas de produção, de não depender dos mecanismos do mercado. O outro mito era o de que os grupos eram datados, passados – como se o bom fosse você trabalhar com várias pessoas ao mesmo tempo, com várias coisas ao mesmo tempo. Mas, hoje, já se sabe que, justamente na década de 1990, muitos grupos estão sendo fundados no Brasil, exatamente para retomar uma tradição do ‘Teatro de Arena’, do CPC [Centro Popular de Cultura], do ‘Opinião’. E, ao assumirem isso, um grupo de diretores reforça também uma tradição de um teatro político, que vem da Alemanha e da União Soviética.

Surgimento da ‘Companhia Ensaio Aberto’

A ‘Companhia Ensaio Aberto’ se assume como uma companhia marxista em 1996, quando monta “A mãe” [adaptada por Bertold Brecht do romance homónimo de Maxim Gorki]. E depois, fizemos “Companheiros” [de Luiz Fernando Lobo], que era um espetáculo que contava a história da esquerda na América Latina. Trouxemos uma questão muito importante, que é a de se assumir claramente como uma companhia militante, com um ponto de vista de pessoas que não estão neutras na luta e que não estão procurando fazer uma arte neutra. Até porque, arte neutra não existe. E muitas se dizem neutras quando sabemos que, na verdade, não são. E isso foi muito importante na nossa trajetória porque trouxe para o teatro uma série de espectadores que estavam muito afastados dele – e isso tem mais a ver com a qualidade do que era feito no teatro, propriamente, do que com outra coisa. Alguns temas de relevância social e política estavam sem espaço no teatro exatamente pela inexistência de grupos e companhias que tivessem a coragem de levar essas polêmicas para a cena. Como sempre levamos, ao longo desses 25 anos, fidelizando muitos espectadores. Então, enquanto o teatro brasileiro todo diz que tem problema de público, o nosso problema de público é ao contrário: nas temporadas não conseguimos atender a demanda de todo o público que nos procura. O teatro brasileiro não tem problema de público; fez uma opção para um público muito pequeno, cerca de 1% da população das cidades grande. E, para esse público, tem uma oferta grande demais... E, consequentemente, sugere uma crise de público. Nossas plateias sempre contaram com integrantes de movimentos sociais organizados, sindicatos, associações de moradores, todo tipo de população marginalizada. Não tem problema de público; ao contrário. É incrível, mas inexistem políticas públicas ainda hoje no Brasil, mesmo depois de treze anos de governo mais à esquerda; inexistem políticas públicas para o favorecimento de plateias, para formação de plateia, para democratização de acesso. Quase que a única forma de democratização de acesso é a redução de preço de ingresso. E isso não pode ser a única política por motivos óbvios. Se as classes populares e outros grupos não perceberem que o teatro está ali, e que está ali para discutir questões relevantes para eles, o teatro vai continuar tendo problema de público. Então, na verdade, isso de nós termos virado referência, foi uma construção histórica, de muita luta, de muita batalha, muita coragem de andar na contramão e tomar muito caldo.

Integrantes da ‘Companhia Ensaio Aberto’

Isso é um processo curioso, porque durante muitos anos, no início da companhia, a direção era de esquerda, era marxista, mas a garotada não. Com raras e honrosas exceções. Pouco a pouco é que as pessoas começaram a procurar a “Companhia Ensaio Aberto” por causa disso. Há os que nos procuram e há os que fogem por causa dessa militância. E, nesse último caso, fugir é bom, porque já delimita um campo. Nunca faço seleção de elenco por testes e esse tipo de coisa; há as oficinas públicas e gratuitas. Então, durante o processo de trabalho, fica claro quem tem a ver com aquela luta, quem não tem a ver. Isso foi mudando o corpo da “Companhia” e, nesse sentido, já ocupamos o “Armazém da Utopia” [Zona Portuária do RJ] há sete anos – o que foi essencial, mas foi um processo de luta: de ocupação, de legitimação e de legalização dessa ocupação. Foi pesado - envolveu porrada de rua, passeata, invasão das Docas...

O Armazém da Utopia na Zona Portuária do RJ

Nos primeiros anos da Companhia Ensaio Aberto, saímos do prédio teatral, tanto que nosso primeiro espetáculo aconteceu no prédio da UFRJ --  que construído por Dom Pedro II para que fosse o primeiro hospital psiquiátrico da América Latina, onde foi internado o Lima Barreto. Saímos do teatro quase que em uma sinalização de que o que produzíamos era outro teatro em busca de outros espectadores. Muito cedo precisamos de um teatro para fidelizar o público, então, ocupamos durante 3 anos e meio o teatro da Aliança Francesa de Botafogo. Foi lá que começamos a fidelizar o público e o teatro passou a ficar pequeno para as nossas montagens. Fomos, então, ocupar um teatro público: o Glauce Rocha. Ficamos lá por três anos e meio também e, durante esse tempo, conseguimos aumentar fortemente a política de democratização de acesso e a atingir a massa -- principalmente o MST [Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra], Liga Operária Camponesa e os sindicatos. Nossos espetáculos começam a ser feitos para mil pessoas, duas mil pessoas... Nesse momento, percebemos que não temos equipamentos, na cidade, que dê conta. Primeiro, porque, a maior parte dos equipamentos no RJ é na Zona Sul – que não era indicado para o nosso público. Percebemos que para o nosso público vir ao teatro, precisámos estar no centro da cidade, para facilitar o acesso de trem, de barca, pela rodoviária. Começamos a procurar espaço e, na época, descobrimos os armazéns completamente abandonados. E, quando a Companhia Ensaio Aberto completava dez anos, criamos a “Missa dos Quilombos” – um dos nossos maiores sucessos. Foi um espetáculo maluco, porque a ideia era fazer um espetáculo para não ser repetido, então nosso cenário era de 15 toneladas. Estreamos e já estávamos lotados até o final da temporada... Aí, o espetáculo ficou em cartaz por doze anos. Em 2018, vai voltar, inclusive, por demanda. Pensamos, então, que um armazém seria um local, de fato, para a Companhia Ensaio Aberto. E o nome do espaço surge quase que em decorrência. “Armazém da Utopia” é exatamente para falar de um lugar que não existe, um lugar que seja de encontro, de respiração na cidade, um lugar de socialização de conhecimento, um lugar que a lógica de mercado esteja fora. A gente entra aqui em outubro de 2010. E de 2010 até o ano passado, foram seis anos de luta para a legalização dessa ocupação. Vencemos a batalha, legalizamos por 40 anos [a permanência no espaço]. E daí começa uma nova fase. A ideia de montar os “10 dias” tem a ver com isso, de fazer um espetáculo que seja um marco, tal como foi “A Missa dos Quilombos”, há anos. Exatamente para marcar uma nova forma de criação, e para mostrar, inclusive, que não existe problema de público, não existe essa fantasia de que brasileiro não gosta de teatro, que adolescente não gosta de teatro, e que colocamos por terra todos esses mitos.                                        

Produção de “Os Dez Dias que Abalaram o Mundo”

Esse processo foi muito bacana, muito importante internamente para a “Companhia Ensaio Aberto”. Foi uma peça muito cara. Custou Um milhão. Não teve nenhuma forma de patrocínio. Montamos uma economia solidária, tendo pequenas ajudas de sindicatos. A maior delas foi de R$30 mil reais. Então, de fato, são pequenas ajudas, que variaram conforte o tamanho de cada sindicato, de acordo com o tamanho de cada instituição. E, por outro lado também, de acordo com a percepção política das direções dos sindicatos de apostar em novos caminhos. E apostar numa questão que a gente vem insistindo há algum tempo. Porque no caminho dessa tradição do teatro político tem uma experiência histórica que é muito curiosa que é como o teatro político nasce na Alemanha. Na época, o maior partido do mundo era o Partido Socialista alemão, e eles fundaram uma associação de espectadores, que assume um teatro. E nesse teatro, eles que pagam a produção, eles são os espectadores, eles que fazem a produção... Mas percebem que o repertório era um repertório burguês como em todos os outros teatros. E aí eles se perguntam: ‘Que diabo é isso? Pagamos, assistimos e reproduzimos a mesma merda que os outros?’ Isso é um marco na produção, porque, pela primeira vez na história do teatro, se coloca os proletários em cena. A luta dos trabalhadores aparece em cena. Batalhamos por isso. E, nesse sentido, temos um papel de vanguarda, acredito, no teatro no Rio de Janeiro e, de certa forma, no Brasil. E para fazer um teatro de esquerda, não podemos ser financiados da mesma forma que o teatro burguês. Porque a nosso ver, os grupos têm dois caminhos: ou eles buscam financiamento nas mesmas instituições burguesas que financiam o teatro burguês ou eles assumem uma marginalidade. Mas assumir uma marginalidade significa você ficar falando sempre para um pequeno gueto. Então os grupos, às vezes, têm trabalhos relevantes, mas falam para pouca gente, atingindo pouca gente. Então é a esquerda falando para o gueto da esquerda. Pensamos que era, portanto, hora de entrar em outro tipo de disputa, que, significa, como primeiro marco, ocupar o “Armazém da Utopia”. Todas as grandes cidades do Brasil têm espaços como esses, absolutamente abandonados e que deveriam ser espaço de uso público, de uso de interesse público, de produção de bens simbólicos de interesse público e que ficam abandonados, né? Só que ao ocupar um espaço como esse, você percebe, como os principais teóricos do teatro político sempre falaram, que é preciso ter movimento social por trás. Caso contrário, você estará representando apenas pessoas e não grupos de interesse. Então, quando ocupamos o “Armazém da Utopia”, entraram em nossa luta todas as centrais sindicais de esquerda, associações, vários partidos de esquerda que tinham tido relação conosco ao longo desses anos. Então, deixa de ser uma luta só nossa; torna-se uma luta por reconhecimento de um espaço de esquerda. E isso pode, com o passar dos anos, isso pode e deve – esperamos que aconteça - criar paradigma. Se um espaço como esse for ocupado em cada grande cidade do Brasil, muda-se a cara do fazer teatral no país inteiro.

Referencial teórico para a peça

O nome da peça é “Dez Dias que Abalaram o Mundo”. Então, a base é, de alguma forma, o livro [homônimo] do John Reeds. Só que ele chegou na Rússia somente em setembro... Quando começamos a estudar a Revolução Russa, percebemos como nossa formação é terrivelmente falha; os partidos não fazem mais formação de base. E não estudamos questões elementares porque a esquerda não conta essa história e a história contada pela boca da direita vira outra coisa. Então, na verdade, o espetáculo parte do Domingo Sangrento [manifestação pacífica dos trabalhadores que foi duramente reprimida pelo governo czarista em 1905] e daí conta todo o processo que desemboca em fevereiro, a Revolução Burguesa, e aí a preparação para a Revolução Proletária, em Outubro de 1917. E o nosso livro básico foi o livro do [Leon] Trotsky, porque a gente continua achando que é a melhor história da Revolução Russa escrita até hoje. E, claro, usamos outras fontes também, muito material do próprio [Vladimir] Lenin e de outros militantes que viveram à época.

Inspiração no teatro épico

A montagem é inspirada no teatro épico, no [Bertolt] Brecht. Ele dizia que um teatro novo tem que nascer da crítica de um velho teatro. E a crítica do velho teatro que ele faz é a critica do teatro burguês. O teatro burguês é um teatro centrado na questão do sujeito. Então, são as lutas intersubjetivas. E o Brecht diz que as lutas intersubjetivas não dão conta da complexidade da História. E que para dar conta da complexidade da História, você precisava se voltar para o épico. Ou seja, você precisa contar as histórias de outra forma e de outro ponto de vista. E aí, é o que ele diz. É quando você começa a precisar dos especialistas – para criar o material dramatúrgico, para analisar o que você está fazendo. Então é um teatro conceitualmente com outra profundidade. Porque o objetivo, ao contrário do teatro dramático, não é o drama em si, não é o fato em si. O que o teatro épico está buscando é contar e discutir a História. Então a peça em si deixa de ser o principal. O principal passa a ser o mundo e, sobretudo, como é que esse mundo se transforma. E aí há várias tradições que vão se desenvolvendo desde o início do teatro político, no final do século XIX. Tem o Agitprop, que é o teatro de agitação e propaganda, que tem o apogeu na Alemanha dos anos 1920 e na União Soviética, desses primeiros anos, de 17 a 24, sobretudo. Tem o Teatro Jornal... E aí, para cada um desses momentos, há teóricos diferentes muito importantes,- [Vsevolod Emilevich] Meyerhold, o Eisentein [Sergei Mikhailovich], o Brecht. A nosso ver é impossível contar uma peça dessa sem, de alguma forma, estar em diálogo com essas tradições e, de certa forma, citando essas tradições, usando essas tradições. Então, tem cenas do nosso espetáculo que estão diretamente ligadas a Brecht, outras diretamente ligadas a Eisenstein, Meyerhold. Quem conhece um pouquinho da história do teatro vai identificar nas cenas esse tipo de coisa. E, para o público comum que não conhece isso, não há nada que impeça a fruição. Ao contrário. O Meyerhold e o Eisenstein eles falavam muito assim, sobretudo assim, pensando no que se fazia na Rússia nesses anos, aonde a população era basicamente uma população analfabeta, que não conhecia as coisas, que não conhecia a História. Então, na verdade, tem que ter uma forma de comunicação muito direta pra você conseguir chegar a esses espectadores. O público, vamos dizer assim, mais burguês, às vezes pode reagir a certas coisas com um pouco de preconceito. O público popular ele não é nada preconceituoso. Para ele, não importa que uma cena é engraçada e a outra não. Ele não está aqui atrás de padrões que o público burguês cobra. Ele age de uma forma mais espontânea, mais direta, pois o que importa é a comunicação.

Sobre a duração, a narrativa e a metalinguagem

A peça tem duração de 2h30, é itinerante e privilegia a narrativa. Além disso, há  projeções de 14 vídeos. Isso tudo parte de uma frase do John Reed, que, apesar de falar muito bem tanto do Lenin quanto do Trotsky, diz que o que fez a Revolução Russa não foram somente os líderes, mas a massa na rua. Em qualquer teatro na Europa, um espetáculo como esse poderia ter 40, 60, cem pessoas em cena. No Brasil, isso é impossível até para um grupo maluco como o nosso. E como resolver o problema da multidão? Fazendo o espectador sendo multidão. Se tivermos 25 atores armados no meio da multidão é a multidão armada; 25 atores correndo no meio da multidão, é a multidão correndo...  A História é muito dinâmica, se passa em lugares muito diferentes – front da Primeira Guerra Mundial, ora em Moscou, ora em Petrogrado; precisava de dinâmica que possibilitasse contar a pluralidade de espaços não só geográficos, mas também subjetivos – fábricas, trincheira, campo... E o fato de o espetáculo ser itinerante beneficiava isso, que acho que é um dos grandes acertos do espetáculo. A peça é longa, mas apesar disso, acho que o público compreende as razões do tamanho do espetáculo, percebe que é exaustivo e cansativo, mas que estamos contando uma história de 12 anos – de 1905 até outubro de 1917, com as dificuldades e as idas e vindas da revolução. Nesse sentido, o espetáculo não é nada condescendente. Conseguimos ir à raiz mesmo. E o que nos favorece é saber que estamos falando para um público interessado no assunto. Uma das coisas que pensamos muito logo depois do golpe [Impeachment em 2016] - pois já estava em nosso planejamento montar “Dez dias que abalaram o mundo” – era que tinha virado o espetáculo errado na hora errada; mas também o espetáculo certo na hora certa; é um momento de se falar de luta, de resistência e de participação popular. Sabíamos que teríamos um preço alto a pagar por isso, em todos os sentidos – financiamento, possíveis e eventuais boicotes – mas faz parte. Viver da arte é a expressão dessa resistência, dessa batalha das ideias. E por outro lado, até mais que isso: porque até mesmo a esquerda, de certa forma, abriu mão da batalha das ideias; é preciso fazer a autocritica nesse sentido, se a esquerda não batalhar por uma cultura socialista e que consiga tirar o homem apenas do reino da necessidade, não vamos ganhar.

Legado da Revolução Russa

Sem dúvidas, a Revolução Russa ainda tem muito a nos ensinar e a nos inspirar, especialmente nesse momento em que falamos sobre o “Escola Sem Partido” – não existe absurdo maior que esse; querem que exista escola sem partido de esquerda, mas isso eles não dizem.... A Revolução de 1917 tem alguns aspectos muito importantes, como o surgimento dos soviets -- conselhos populares que surgem do chão da fábrica, não foram teorizados por intelectuais, se assume a questão democrática não como a democracia burguesa, que normalmente é muito mais burguesa do que democrática. E não adianta falar em democratização sem fazer a democratização dos meios de produção. Nesse e em todos os sentidos, a Revolução Russa foi a mais democrática revolução que houve – a  única que democratizou os meios de produção e que tinha uma democracia popular representativa direta nos soviets – com a participação somente de trabalhadores, que eram os que podiam votar. É incrível ver a quantidade de seminários que têm acontecido no Brasil inteiro, com forte presença de jovens e com bom número de público. É um momento oportuno de se discutir isso... Sindicatos têm um papel importante nisso. Sobretudo o novo tipo de sindicato, que, nesse momento em que se aprova a reforma (ou deforma) trabalhista, vai ter que estar muito mais ligado à base para poder sobreviver. A luta política não é fácil, a luta sindical também não, pois implica em participação direta ou em burocratização. Não tem meio termo nisso e a Revolução Russa tem muito ainda a nos ensinar. 

DA REDAÇÃO DA ADUFF | Por Aline Pereira
Foto: Luiz Fernando Nabuco/Aduff-SSind

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