DA REDAÇÃO DA ADUFF
A decisão do reitor da UFF, Sidney Mello, de assinar acordo judicial com uma construtora privada no qual abre mão de disputar quase 85% da área do Morro do Gragoatá, em litígio na Justiça Federal, foi muito criticada por estudantes, técnicos e docentes na sessão do Conselho Universitário, instância máxima da instituição.
Conselheiros contrários ao acordo, em que na prática a UFF abre mão de defender o espaço judicialmente, propuseram a realização de uma audiência pública para tratar do assunto em toda as suas implicações – tanto no aspecto da posse e propriedade, quanto ambiental – e a aprovação de uma recomendação à Reitoria para que suspendesse o ato.
Impasse
O reitor se negou a colocar a questão em votação na sessão, ocorrida na quarta-feira (27), no auditório Milton Santos, na Praia Vermelha. Por pelo menos duas vezes, disse que mesmo que o CUV se posicionasse contra o acordo ele não reveria sua decisão. “O Conselho Universitário não vai me fazer voltar atrás no acordo que assinei porque ele está balizado na lei", disse. “Assumi uma responsabilidade e assinaria mais uma vez diante do que nos foi colocado na 4ª Vara”, reafirmou pouco depois.
Com relação à audiência, Sidney concordou que ela fosse convocada, mas condicionou isso à restrição da sua temática à questão ambiental, o que contrariou os proponentes da convocação. Há uma segunda ação na Justiça, na 3° Vara Federal, na qual o que está em questão é se a área é de preservação ambiental e se é possível ou não erguer prédios no local. É com relação a isso que o reitor diz estar aberto a debater.
Apesar da insistência de alguns conselheiros, a proposta de posicionamento do CUV sobre o assunto acabou não sendo apreciada na reunião. A Reitoria alegou que ela teria que passar primeiro pelas câmaras especializadas. O encaminhamento, no entanto, foi questionado por alguns conselheiros, que observaram que regimentalmente é possível analisar propostas diretamente no conselho, quando estas ganham o regime de urgência. O professor e conselheiro José Raphael Bokeh lembrou que isso ocorrera na reunião anterior do próprio CUV, que aprovou proposta que não passara pelas câmaras. "O regime de urgência não pode valer só quando interessa", disse.
O professor Gustavo Gomes, presidente da Aduff-SSind, agradeceu o espaço aberto pelos conselheiros para expor a posição da seção sindical na reunião e defendeu a necessidade de se aprofundar a democracia interna, levando questões como essa para a comunidade universitária. "Os conselheiros do CUV deixaram claro que não abrem mão do terreno da UFF e muito menos do debate entre a comunidade acadêmica sobre o tema. A Aduff vai cobrar a realização da audiência e participar da sua organização e convocação", disse, à reportagem, após o encerramento da sessão. "O governo federal quer acabar com a educação pública e gratuita e com a ciência e tecnologia no país. Quer nos obrigar a vender nossos terrenos, nosso patrimônio e nosso trabalho para o mercado. Isso se expressa nessa discussão do morro do Gragoata, mas também no atraso das nossas promoções e progressões, na regulamentação da DE e das 40 horas e outros temas. Não podemos brigar entre nós. Temos que valorizar a democracia e juntos lutarmos contra esse projeto de privatização", defendeu.
O terreno
O terreno de aproximadamente 55 metros de altura e 60 mil metros quadrados, extensão que se equipara ao próprio campus da Praia Vermelha, ao qual está ligado, segue em litígio judicial há anos, após ter sido desapropriado pelo governo federal em favor da universidade, cerca de 40 anos atrás. A especulação imobiliária está de olho no local, tendo como objetivo a construção de um condomínio habitacional de oito prédios de seis andares e área de lazer privativa.
Segundo a Reitoria, o que foi acordado é que a UFF abre mão da disputa pela área de 60 mil metros quadrados do Morro do Gragoatá – sendo 40 mil de área plana. Em troca, ficaria com dez mil metros quadrados e não teria que pagar quaisquer custos.
Reitoria: 'Não há patrimônio'
A administração central não apenas defendeu o acordo firmado na 4° Vara Federal, classificando-o de o melhor para a instituição, como afirmou que a UFF não tem direito ao terreno. “Não há questão patrimonial, a desapropriação não foi encaminhada, não há patrimônio”, disse Sidney, ao tentar justificar por que não caberia consulta ao Conselho Universitário. “O acordo foi em defesa dos interesses da universidade”, alegou.
Lidando com uma questão altamente delicada, já que envolve interesses econômicos milionários, o reitor fez a sua própria defesa dizendo que jamais erra quando se trata de dinheiro público. “Há algum tempo eu sou administrador nessa universidade. Talvez eu tenha aprendido muito, mas eu ainda sou capaz de errar. Mas eu nunca vou errar com os recursos públicos. Reitor não pode ser covarde, reitor tem que assumir a responsabilidade, mesmo quando não agrada a todos”, disse.
Em defesa da posição tomada pela Reitoria, pouco antes, no entanto, o professor Cresus Vinícius havia alegado outro motivo para a comunidade não ter sido consultada. “O reitor tinha que tomar uma decisão que não permitia divagação, nem muita consulta”, disse. O pró-reitor de Extensão também sustentou a opinião de que a universidade não possui direitos sobre a área cobiçada pela especulação imobiliária. “A UFF não tem posse nem propriedade desse terreno, a UFF não pagou um tostão. Nós não perdemos 60 mil metros quadrados, nós ganhamos dez mil metros quadrados e mais a área que a professora Jane tem desenvolvido um projeto ecológico”, disse. “A UFF nunca tomou posse do terreno. A universidade não pode abrir mão ou ceder algo que não é de sua propriedade”, concluiu.
Discurso similar, na tentativa de justificar o acordo, foi sustentado pelo professor Alberto Di Sabbato, que, embora tenha ressaltado ser economista e falar como leigo com relação à ação judicial, não hesitou por um instante em afirmar que a UFF não tem direito às terras e que elas pertencem à construtora privada – essa questão é o ponto central do litígio sobre o qual nada foi deliberado em quaisquer instância do Poder Judiciário. “A universidade não pode ceder ou abrir mão de algo que não é da sua posse ou propriedade. A desapropriação só poderia ser concretizada se a universidade indenizasse os proprietários, coisa que em 40 anos não foi feita”, disse.
Procuradoria
A reunião do CUV, quase toda ela dedicada ao assunto, que não estava pautado, teve ainda a presença do procurador da UFF, Dr. Marcelo, que fez elogios à decisão do reitor e também corroborou com os conselheiros próximos à Reitoria que não veem a UFF com quaisquer direitos sobre a cobiçada área. “Estou maravilhado com o tom democrático do debate”, disse, ao se pronunciar, antes, registra-se, do reitor descartar qualquer possibilidade de rever o seu ato. “Algumas pessoas têm vontade de ter muitas coisas, mas tem que ser dentro da lei”, disse. Ao defender aposição da Reitoria, o procurador disse que não houve provimento de recurso para a indenização e que, em 1982, a Procuradoria da universidade excluiu o platô do Morro do Gragoatá da área reivindicada para desapropriação, o que classificou como um grave erro.
O presidente do conselho também concedeu tempo para que o vereador Paulo Eduardo Gomes (Psol) tecesse algumas considerações sobre o caso. Ele criticou a Prefeitura, que participou do acordo, por não levar o assunto para a Câmara de Municipal, e a especulação imobiliária sobre Niterói. Alertou para os problemas urbanos que isso vem causando – entre eles, os constantes e extensos congestionamentos que param a cidade. Sobre a área em si, disse defender que ali seja criado um “parque urbano municipal, para pesquisas da universidade e para uso das pessoas”. Ex-estudante de Engenharia da UFF, Paulo Eduardo ressaltou que a universidade não pode ficar refém do discurso da crise. “O governo federal quer arrasar a educação pública e se nós cedermos ao discurso da falta de dinheiro nós vamos perder tudo”, observou.
'Condução estranha'
A posição da Reitoria foi muito contestada durante toda a reunião. O professor Edson Alvisi, da Faculdade de Direito, fez duras críticas ao modo como a Reitoria e a Procuradoria estão encaminhando a questão. Indagou, e ficou sem resposta, as razões que levaram a administração a não contestar que o caso siga sendo julgado por um juiz que, segundo ele, é réu em uma ação movida pela UFF. “É uma condução estranha, esquisita”, disse. “O que me tranquiliza, ao ver o acordo assinado, é que de pronto verifiquei que é nulo, não tem a assinatura da assessoria jurídica”, afirmou o docente, acrescentando que transações envolvendo essa magnitude de valores legalmente não podem transcorrer assim. O professor "solicitou" ao reitor para que, quando estiver em situações de dificuldade, leve-as para o CUV. “Deixe todos nós debatermos isso. A universidade não precisa de salvador, precisa trabalhar unida, precisa ser conduzida por toda a sua comunidade”, defendeu.
O estudante Bruno Santana Araujo, um dos representantes do segmento no CUV e integrante da direção do DCE (Diretório Central dos Estudantes Fernando Santa Cruz), criticou o acordo e fez coro com os que defenderam que o caso seja levado à comunidade universitária. “Somo contra a cessão para duas empresas privadas construírem espigões. Nós precisamos debater, Sidney, dentro da universidade, não fazer acordos dentro do gabinete”, disse. “Temos a dureza do cenário nacional, nós não podemos abrir mão [da democracia] aqui dentro, de uma audiência pública que seja convocada amplamente, quando você vai poder dar suas justificativas e a comunidade dizer o que quer para aquela área. O cargo de reitor não é um cheque em branco para você escrever o que quiser nele”, disse.
Carta da Arquitetura
A professora Louise Lomardo, da Escola de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense, fez uma explanação sobre as características da área e propôs o uso dela em benefício da população e da pesquisa. Foi muito aplaudida ao final. A docente, que lamentou que a EAU (Escola de Arquitetura e Urbanismo ) e vários outros cursos e órgãos não tenham sido consultados sobre o caso, destacou a importância ambiental e climática da área e a potencialidade em termos de pesquisa, turismo e de alternativa de lazer para a população. "[Aquele espaço] pode possibilitar trabalhos de extensão e pesquisa de setores da universidade que estudam clima urbano, turismo, ciências ambientais, paisagismo, biologia entre outros possíveis projetos", disse, ao apresentar a "Carta Aberta da Escola de Arquitetura e Urbanismo sobre a Cessão do Morro do Gragoatá".
Ao encerrar a apresentação, deu um forte depoimento sobre o caso: "Estou muito emocionada, porque essa área é uma área que a população do bairro toda gosta, convive, visita. Quem tem uma vivência nessa região e mora em Nterói sabe da importância. Hoje temos estudos sobre clima urbano, sobre a biologia local e não é possível que a especulação imobiliária venha tomar uma coisa que a UFF sempre exerceu posse, sempre cuidou, zelou, construiu a sua proteção. Não podemos deixar isso passar, e a Prefeitura deveria estar ao nosso lado na defesa de uma outra posição e não essa de estar ao lado da construção civil sempre. Isso é um absurdo, não é possível", finalizou.
DA REDAÇÃO DA ADUFF
Por Hélcio Lourenço Filho