Mai
15
2025

Entrevista: Pró-reitor de Planejamento da UFF diz que crise orçamentária é grave e supera a de 2024

Júlio Andrade diz que a inclusão do Pnaes nas restrições é inédita e agrava muito o quadro orçamentário.

 

O pró-reitor Júlio Andrade, à esquerda, fala durante a reunião da Reitoria com as entidades O pró-reitor Júlio Andrade, à esquerda, fala durante a reunião da Reitoria com as entidades / Reprodução de vídeo

Doze meses atrás - mais precisamente no dia 20 de maio de 2024 -, a Reitoria da UFF recebia os Comandos de Greve da Aduff-SSind, do Sintuff e do DCE. Naquela data, pressionado pelas entidades sobre a gravidade da situação orçamentária, o reitor Antonio Claudio Lucas da Nóbrega disse que a UFF não iria fechar, pois ‘não se tratava de uma empresa’. Porém, reconheceu que o “sofrimento” na administração da universidade, sob um orçamento inferior ao necessário, iria até o fim do ano, mês a mês.

Na segunda-feira passada, dia 12 de maio de 2025, a reportagem da Aduff-SSind entrevistou o pró-reitor de Planejamento, Júlio Cesar Andrade de Abreu. Perguntou “como estava esse sofrimento”, mencionado pelo reitor, diante do decreto do governo que restringe o orçamento a um dezoito avos mensais. “Agora estamos sofrendo semana a semana, literalmente”, respondeu.

Também um ano atrás, em outra entrevista à Aduff, o pró-reitor de Planejamento havia alertado que, caso nada mudasse, a UFF só teria recursos para funcionar até setembro de 2024 - fato lembrado pelas entidades na recente reunião com a Reitoria. À época, a luta pela recomposição orçamentária já era um dos motes centrais da pauta da greve e ganhou mais peso diante do cenário revelado. 

Vale lembrar: embora em patamar muito aquém do reivindicado, ainda durante a paralisação, por duas vezes, em maio e em junho, o governo federal anunciou a liberação de recursos orçamentários para Educação - movimentos que afastaram o risco de colapso nas universidades e foram associados à pressão grevista.

Nesta nova entrevista, ocorrida logo após a reunião desta semana convocada pela Reitoria para tratar do assunto com as entidades, Júlio Andrade não hesita em avaliar: o quadro agora é mais grave do que o de 2024. Principalmente, destaca, por conta da inclusão, pela primeira vez, do Programa Nacional de Assistência Estudantil nas restrições orçamentárias. “Nos anos anteriores, o Pnaes era praticamente intocável”, afirmou.

A seguir, a entrevista concedida pelo pró-reitor à reportagem da Aduff, logo após a reunião, na qual as entidades defenderam que a Reitoria busque construir espaços democráticos para discussão do orçamento com a comunidade acadêmica e reafirmaram a defesa da convocação de audiências públicas para tratar da crise.

Aduff-SSind: Ao longo dos últimos anos, o problema dos cortes orçamentários e contingenciamentos tem sido constante. Qual a diferença do que está ocorrendo este ano para os anos anteriores?
Júlio Andrade: A grande diferença esse ano é que nos anos anteriores o Pnaes era praticamente intocável. Todo mundo fazia uma discussão em relação a limites de funcionamento, mas não mexia no Pnaes. Esse ano o que chamou muita atenção da gestão foi que o Pnaes acabou entrando nesse movimento. E obviamente chama a atenção porque é um item muito sensível na universidade. Então se alguém fala que vai parar o Pnaes e que a gente vai ter risco de parar a bolsa, é uma movimentação muito grande para tentar dar uma devolutiva para comunidade e alertar todo mundo da situação.

Aduff: Essa restrição [em relação ao Pnaes] é recente, certo?
Júlio: Sim, é recente. O decreto foi dia 30 [de abril] e nessa semana que nós sentamos com toda a equipe para tentar avaliar o impacto e, mais do que avaliar o impacto, por que muitas vezes você publica um decreto, uma portaria, seja o que for, e aquilo não tem um reflexo direto nos sistemas operacionais. Então só na segunda que a gente conseguiu olhar o sistema e aí entrou o alerta.

Aduff: Vocês fizeram essa reunião interna na Reitoria. E já deu tempo de conversar com administrações e pró-reitorias de outras universidades sobre os impactos disso e o tamanho da preocupação?
Júlio: Tem dois movimentos. Um pouco antes desse decreto ser publicado, aconteceu uma reunião com todos os reitores de Planejamento chamada Forplad. Na ocasião, o decreto não havia sido publicado, e o MEC e o Sesu tinham a expectativa por exemplo de, em uma situação crítica, o MEC remanejar o orçamento dele, MEC, para evitar impacto na rede. Só que obviamente o decreto foi publicado e o próprio MEC estava entre os impactados. Isso gerou uma movimentação muito grande. Os pró-reitores, cada um, tentando dar uma resposta de acordo com a sua realidade. Para gente, foi esse movimento de dialogar internamente com a gestão, depois com os diretores de unidade, com os pró-reitores e agora com a comunidade a partir das representações da Aduff, Sintuff e DCE.

Aduff: A gente observou aqui na reunião uma preocupação muito grande das entidades que a Reitoria expressasse qual é o impacto potencial dessa situação. Por outro lado a Reitoria não parece estar trabalhando com o impacto anual. Vocês mesmos ressaltaram que estão trabalhando mês a mês e chegaram a falar que nos próximos três meses estaria garantida a manutenção dos recursos para o atendimento das bolsas e do que afeta diretamente os estudantes. [Qual o motivo] dessa não-projeção? Não deu tempo ainda de fazer ou aguardam para fazer a partir do que possa acontecer? 
Júlio: A grande preocupação hoje é a seguinte: há uma expectativa - e aí a esperança tem que ser a última que morre - de que vai ter algum tipo de liberação. Só que até o momento essa sinalização não se concretizou. E eu só posso assumir como concreto quando eu vejo no sistema. A ideia hoje é literalmente colocar a comunidade a par da situação. O que a gente entende que seria o pior dos mundos é a situação se agravar ao ponto de eu falar: ‘Vamos ter que cortar bolsas', e a comunidade ficar sabendo disso de modo inesperado. Imagina se a gente fala que vai ter que cortar bolsa amanhã e o DCE fala: mas ninguém avisou para gente? Então essa preocupação foi colocada. Então agora numa reunião que a gente entende ser até preliminar, porque outras vão ser demandadas e necessárias, [a prioridade é] colocar a comunidade a par da situação.

Aduff: É possível pensar o que acontecerá se o governo estender essa situação, de liberação mensal de um dezoito avos do orçamento? Se isso se prolongar até o final do ano?
Júlio: A grande preocupação nossa, além da assistência, é com os contratos com os terceirizados. As empresas têm por lei que ter um fluxo de caixa para segurar uma eventualidade de um mês, dois meses de atraso. Só que o nosso contato com as empresas mostra que a realidade é muito diferente, elas não têm esse fôlego, elas não têm esse caixa. O grande receio nosso é que, com a questão do 1/18 se mantendo, a gente comece a perder fôlego para pagamento de contratos e as empresas na ponta comecem a atrasar salários de trabalhador terceirizado. Esse é o grande ponto. Queremos evitar que isso aconteça a todo custo. São as pessoas mais frágeis da nossa estrutura. 

Aduff: Ano passado, a Reitoria também chamou uma reunião para discutir o problema orçamentário, com objetivos parecidos com os de agora, procurando expor dados sobre a gravidade da situação. Pela sua experiência e pela análise dos números, a situação seria mais grave que no ano passado? 
Júlio: É mais grave sobretudo por duas situações: primeiro, a questão do Pnaes. E, segundo, que o grande fundo de reserva é a chamada fonte própria. A fonte própria é tudo que a universidade arrecada e cai uma parte para a gestão central. Inscrições, especialmente os chamados cursos de MBA, que hoje estão suspensos, então a arrecadação está muito baixa. Então eu não tenho margem nem para servir de estofo para esses contratos, tampouco para ajudar o Pnaes. Então a situação se mostra mais crítica por conta disso.

Aduff: E no ponto de vista orçamentário, em si, o que foi aprovado pelo Congresso e agora o contingenciamento
Júlio: Já seria insuficiente, não daria para gente fechar [as contas]...

Aduff: Seria uma situação, então, pior que no ano passado?
Júlio: Sim. Porque todas as despesas cresceram, e o Orçamento não conseguiu dar conta de cobrir todo esse crescimento. 

Aduff: Em 2024, naquela reunião similar a essa, o reitor chegou a dizer que a situação orçamentária era de sofrimento até o fim do ano, mês a mês… continua assim, certo? Esse sofrimento aumentou?
Júlio: Agora estamos sofrendo semana a semana, literalmente.

Da Redação da Aduff
Por Hélcio Lourenço Filho

O pró-reitor Júlio Andrade, à esquerda, fala durante a reunião da Reitoria com as entidades O pró-reitor Júlio Andrade, à esquerda, fala durante a reunião da Reitoria com as entidades / Reprodução de vídeo