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Dez
13
2016

Com senadores sob suspeita de venda de votos, Senado aprova ‘PEC da morte’

Senadores aprovam PEC 55 (241) por 53 votos a 16 em meio a delações da Odebrechet; proposta é rejeitada pela maioria da população, diz pesquisa

Com o presidente da casa e parte considerável dos senadores citados na delação da Odebrecht, na qual são acusados de receber propina para defender projetos favoráveis à empresa, o Senado Federal aprovou a PEC 55 (214), às pressas, no início da tarde desta terça-feira (13). A proposta de emenda constitucional defendida pelo presidente Michel Temer (PMDB), também ele citado nas delações da empreiteira, poderá ter impactos profundos na vida do país nos próximos 20 anos.

A votação ocorreu no mesmo dia em que o jornal “Folha de São Paulo” divulgou pesquisa do instituto Datafolha que aponta para uma grande rejeição da população (60%) à proposta que congela as despesas públicas não financeiras por duas décadas – restringindo sucessivos orçamentos à repetição do anterior acrescido de correção monetária. Para boa parte das capitais do país estavam convocados atos contra a ‘PEC do Fim do Mundo’, como foi batizada por opositores, e a proposta de ‘reforma’ da Previdência do governo. As manifestações estão sendo mantidas mesmo nos estados nos quais estavam marcadas para o fim da tarde.

Votação

Embora o governo tenha concluído a matéria dentro do prazo que estipulara, a votação da base governista teve uma queda expressiva em relação ao primeiro turno: 53 votos a 16, apenas quatro acima do mínimo necessário para emendas constitucionais. No primeiro turno, o placar foi bem mais elástico: 61 a 14, 12 votos além dos 49 que somam os três quintos exigidos para alterações constitucionais.

A votação de dois destaques apresentados pela oposição na tarde desta terça (13) foi ainda mais apertada: 52 a 20 e 52 a 19, respectivamente referentes às exclusões do salário mínimo e da saúde e educação da PEC. Em ambos os casos, foram três votos além do indispensável para não alterar o texto-base. Essa contabilidade ganha relevância na medida em que o governo sabe que a votação da PEC da aposentadoria será bem mais difícil de passar.

Durante os discursos dos parlamentares pela manhã, o senador governista Magno Malta (PR-ES), em uma estranha defesa da impopularidade, disse que essa reforma só poderia ser feita por um governo impopular e que não tenha “compromisso com a popularidade”.  O senador Paulo Paim (PT-RS) disse não ter ilusões de que a proposta seria aprovada, mas ressaltou que ela está diretamente ligada à “reforma da Previdência”, cuja rejeição será muitas vezes superior à já alta repulsa popular à PEC 55.  “Quem vai ter coragem de depois pedir voto do trabalhador dizendo: ‘você vai pagar [a Previdência] a vida toda, mas não vai se aposentar?”, indagou o parlamentar.

Resistência

A votação da PEC em primeiro turno, no dia 29 de novembro, foi marcada pela maior manifestação do ano em Brasília, que levou cerca de 30 mil pessoas à capital federal e foi duramente reprimida pela Polícia Militar e a Força de Segurança Nacional.

Ainda durante o protesto, a auditora fiscal aposentada Maria Lúcia Fatorelli, da Auditoria Cidadã da Dívida, deu uma aula pública em frente ao Ministério da Educação, na qual explicou o que significa a proposta de emenda constitucional. “A PEC visa privilegiar o setor financeiro sem falar nele. Ela cria o regime fiscal que vai durar por 20 anos. Isso é o que ela diz no primeiro artigo da Constituição que modifica. E o que ela diz no segundo artigo? Estabelece um teto para as despesas primárias. E o que são as despesas primárias? Todas as despesas dos serviços públicos (como saúde, educação, segurança, previdência) e toda a estrutura de Estado (Executivo, Legislativo, Judiciário, Ministério Público). Então, todas essas despesas vão ficar sob um teto. E o que está fora do teto? As despesas não primárias. E quais são as despesas não primárias? As despesas financeiras, as despesas dos juros. Então, a PEC quer privilegiar o setor financeiro, mas ela não fala nele. Ela simplesmente segura as despesas primárias para fazer sobrar mais para as despesas financeiras”, relatou Fatorelli.

A auditora fiscal disse que amplos setores da sociedade civil se posicionaram contra a proposta. “Com essa PEC nós vamos enfrentar o maior desmonte que já vimos, porque o Estado vai ficar amarrado. E todos os recursos decorrentes do crescimento econômico, do aumento da arrecadação, de todas as outras fontes patrimoniais e financeiras e econômicas, todos os recursos obrigatoriamente só poderão ser destinados para as despesas financeiras, porque o teto das despesas primárias vai fazer parte da Constituição Federal. Isso é um absurdo. É por isso que o Conselho Federal de Economia, que representa 230 mil economistas, aprovou uma nota contra a PEC, acho que foi a primeira nota unânime [do conselho] e olha que nós temos economistas com diversas visões. A CNBB [Confederação Nacional dos Bispos do Brasil], que não é de se manifestar em questões políticas, [também se posicionou contra] porque está vendo o massacre que vai ser essa PEC”, disse a representante da Auditoria Cidadã.